quinta-feira, 30 de abril de 2020

Os Judeus do Papa. Gordon Thomas. «Naquela desconsolada manhã de Inverno, em 10 de Fevereiro de 1939, Eugénio Maria Giuseppe Pacelli estava parado no vão da porta do quarto observando…»

Cortesia de wikipedia e jdact

Uma maneira de morrer
«Um livro revelador que demonstra como o Vaticano salvou milhares de judeus durante o Holocausto e elucida por que razão a história deve reabilitar o papa Pio XII. Acusado de não ter condenado Hitler pelo fanatismo e ódio racial com que o ditador-nazi governava a Alemanha, o chefe da Igreja Católica Romana ficou conhecido, durante a Segunda Guerra Mundial, como o Papa que se manteve em silêncio durante o Holocausto. Contudo, T G apresenta neste livro provas que refutam totalmente essas acusações. Uma pesquisa minuciosa revela uma rede encoberta de padres, freiras e cidadãos católicos que diariamente arriscaram as suas vidas para proteger os judeus. Ao investigar assassinatos, conspirações e conversões secretas, o autor dá a conhecer as mais extraordinárias acções levadas a cabo por católicos e pelo Vaticano. Em Os Judeus do Papa encontramos, finalmente, a resposta à grande questão moral do Holocausto: por que razão o papa Pio XII recusou-se a condenar o genocídio dos judeus da Europa? Pio XII não foi o papa de Hitler, mas sim, muito provavelmente, o mais perto que os judeus estiveram de ter uma voz no Vaticano». In Sinopse

Naquela desconsolada manhã de Inverno, em 10 de Fevereiro de 1939, Eugénio Maria Giuseppe Pacelli estava parado no vão da porta do quarto observando o que se sucedia em volta da cama de bronze. Duas freiras de meia-idade realizavam seu trabalho em movimentos harmoniosos, exactamente como se esperava que fosse. Lidar com a morte era algo que os anos de experiência havia lhes dado. Para Pacelli, morrer era uma garantia de vida após a morte. Muito tempo antes havia aprendido isso com a sua mãe, Virginia, uma filha devota da Igreja Católica Apostólica Romana. O filho de Virgínia era Sua Eminência, o cardeal secretário de Estado da Santa Sé, a segunda figura mais poderosa dentro da Igreja. Uma hora atrás, logo após a morte do homem idoso na cama, papa Pio XI, Pacelli se tornara a figura mais importante de todo o mundo católico. Ele era agora o camerlengo, um posto que combinava o papel do tesoureiro do Vaticano com o de chefe de gabinete da Santa Sé. Ele seria o responsável pela organização do funeral do papa Pio XI e pelo conclave para eleger um novo papa.
Pacelli tinha sessenta e quatro anos de idade e estatura média, era magro, com um nariz tipicamente romano, recto com narinas estreitas e uma leve saliência no meio da ponte. Por trás de seus óculos de estilo antiquado, residia o olhar de um homem que imediatamente sabia reconhecer e entender uma situação. Através da janela fechada do andar onde estava o quarto do Palácio Apostólico do Vaticano chegava, de mais de sessenta metros abaixo, o murmúrio da multidão na praça São Pedro que rezava pela alma do papa Pio XI, o 259º sumo pontífice da Igreja. Durante vinte anos, ostentara vários títulos, postos e poder, que haviam afectado directamente a vida de vários milhões de católicos. Pio estava às portas da morte havia dias, a duras penas era mantido vivo pelos remédios que os seus médicos lhe administravam. Eles haviam deixado o quarto, o seu trabalho finalmente estava encerrado. Em breve Pacelli começaria o seu.
Pacelli continuava a observar o corpo, ainda envolto na sua camisola branca. Uma freira havia removido as meias de dormir que o papa usava devido à sua circulação sanguínea insuficiente, um dos muitos problemas médicos por ele enfrentados. Estava com oitenta e um anos, a pele firme no seu crânio, o seu cabelo delicadamente grisalho e as veias saltadas no dorso das suas mãos. Os seus olhos foram fechados; não olhariam mais de maneira afavelmente inquiridora. Poucos dias antes, ainda haviam olhado para Pacelli, quando este estava sentado ao lado da cama e conversavam de um assunto familiar, o destino dos judeus ou, mais precisamente, o de Guido Mendes e sua família. Para o papa e Pacelli, eles representavam o que estava acontecendo com os judeus na Alemanha e na Itália e em todos os países onde o antissemitismo se estava espalhando.
Guido Mendes era filho de uma família judia de Roma, cuja linhagem remetia a Fernando Mendes, médico da corte do rei Carlos II da Inglaterra. Eugénio se sentava próximo a Guido na escola e, mais tarde, na faculdade. Com isso, tornaram-se bons amigos; Eugénio tornara-se convidado regular dos jantares de Shabat dos Mendes, Guido tinha o seu lugar na mesa de Natal dos Pacelli. Na época em que Eugénio começava o seu treinamento para o sacerdócio e Guido havia entrado na escola de medicina, o círculo de amigos judeus de Eugénio já se havia ampliado para mais de uma dezena. Eles foram à sua ordenação e assistiram à celebração da sua primeira missa. Ele caminhara com seus amigos em volta da praça São Pedro, chamando a atenção para as várias estátuas de santos no topo da colunata de Bernini. Os amigos lhe ensinaram o hebraico básico». In Gordon Thomas, Os Judeus do Papa, Casa das Letras, 2012, ISBN 978-972-462-137-1.

Cortesia de CdasLetras/JDACT