quarta-feira, 29 de abril de 2020

A Cruz de Esmeraldas. Cristina de Torrão. «Fazem sempre assim, replicou alguém ao lado dele. Destroem as minas, matam uns quantos dos nossos e tornam a barricar-se na cidade. Pelos vistos, completou Hadwig, o teu adversário…»

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«(…) O mouro era ágil e rápido, Konrad sabia que dificilmente lhe poderia causar ferimentos letais. Além disso, via-se obrigado a usar a sua própria espada mais como arma de defesa do que de ataque. As forças começaram-lhe a faltar, mas entretanto os seus companheiros tinham-se tornado a distanciar. E o túnel haveria de chegar ao fim. Desta vez, revelava-se-lhe difícil arranjar uma oportunidade para virar costas à luta. Arriscou um ataque, descurando a própria defesa. Deu certo: o mouro teve que cobrir a cabeça com o escudo e Konrad aproveitou para lhe virar as costas. Mas pelos vistos não foi suficientemente rápido. O outro avançou de espada em punho e atingiu-lhe o braço. A dor lancinante fez com que as pernas de Konrad lhe fraquejassem. Mas, se ali caísse, era o seu fim. O desespero deu-lhe forças que ele não imaginava ter e viu-se a correr a toda a velocidade. O sangue escorria-lhe do braço direito e a dor roubava-lhe o discernimento. Não fazia ideia seja estava perto dos seus companheiros, nem se o mouro o alcançava. Ficou tonto, sentia-se desmaiar. Já não corria, cambaleava de encontro às paredes da mina... Até que caiu ao chão. Contava a todo o momento que o mouro lhe desse o golpe de misericórdia. Mas, fosse porque milagre fosse, isso não aconteceu. O outro parecia ter-se diluído no ar! Gritou por socorro, a saída do túnel não podia estar longe. Depois, arranjou forças para se levantar. E lá foi cambaleando, à procura da saída e gritando por ajuda. A luz do sol já se fazia notar, quando viu homens a virem ao seu encontro. Ajudaram-no a sair da mina, em cuja entrada uma pequena multidão o esperava. Johann pendurou-se-lhe ao pescoço, de lágrimas nos olhos: Konrad! Estás vivo, graças a Deus! Também Hadwig e Gunther se regozijavam. Konrad balbuciou, entre golfadas de ar: o mouro..., deixou..., de me seguir?
Fazem sempre assim, replicou alguém ao lado dele. Destroem as minas, matam uns quantos dos nossos e tornam a barricar-se na cidade. Pelos vistos, completou Hadwig, o teu adversário contentou-se em infligir-te esse ferimento no braço. Anda, disse Johann. Tratemos disso, antes que te esvaias em sangue. Konrad estava deitado na sua tenda e Ausenda envolvia-lhe a ferida do braço com uma compressa de flores de camomila. As tendas eram pequenas e apertadas, só os fidalgos tinham direito às grandes, redondas, com um mastro no meio, no cimo do qual se içava uma bandeira. Os dois nunca tinham estado tão próximos um do outro. E estavam sozinhos, Johann tido ido apanhar lenha para a ceia.
Ausenda nunca lhe parecera tão bonita. Ajoelhada a seu lado, tinha a saia levantada acima dos joelhos, para melhor se poder mover. Curvava-se sobre o braço dele, dando a ver um pouco dos seios no decote redondo do vestido de linho. Os lábios, que eram um pouco grossos e de um vermelho vivo, estavam entreabertos. Os cabelos negros, amarrados num rabo-de-cavalo, emanavam um leve aroma a alfazema. Ao apertar a compressa, ela fez com que o braço esticado de Konrad se movesse e as costas da mão dele tocaram-lhe na pele bronzeada e quente da coxa. Apesar de ferido e fraco, Konrad excitou-se. Depois de um dia de tantas agruras, ansiava por um pouco de consolo. Deu-se conta que, desde que partira nesta aventura, nunca tinha desejado tanto uma mulher como desejava agora a rapariga meiga dos olhos amendoados. Não resistiu à tentação de, com as costas dos dedos lhe afagar a coxa. Estava expectante quanto à reacção dela. Há mais de três meses que ela se dedicava exclusivamente a Johann, mas tinha sido afinal uma rameira.
Ausenda, porém, se se apercebeu das suas intenções, deu a entender o contrário. Não o encarou uma vez que fosse e, assim que terminou a sua tarefa, deixou a tenda, sem proferir palavra. Sozinho, Konrad deu-se conta do fresco que o fim de tarde trazia e que a sua ferida latejava. Puxou a manta até ao pescoço, invejando o irmão, que tinha uma moça tão bonita a adoçar-lhe as noites. Lembrou-se de Hildrun, a filha do ferreiro Otmar e pela primeira vez arrependeu-se de não ter casado com ela. Sonhara com uma vida gloriosa de cavaleiro, mas as cruzadas revelavam-se bem diferentes daquilo que ele imaginara. Deixara a sua terra natal há quase meio ano e nem sequer pousara ainda os pés na Terra Santa! E a ferraria de Otmar, a melhor de Colónia, bom dinheiro dava... Amargurado, Konrad notou que estava cansado demais para conjecturas dessas. Fechou os olhos e adormeceu.
Acordou ao som de gargalhadas mornas e do crepitar do lume. Sentia-se muito fraco, mas conseguiu sair da tenda. Havia como sempre fogueiras por todo o acampamento. Também Johann, Ausenda, Hadwig e Gunther se encontravam sentados à volta das chamas, onde a ceia era preparada. Assim que o viu, o irmão veio ao seu encontro: não precisas de te levantar. Eu levo-te a comida à tenda. Ora essa! Seria preciso mais do que um arranhão no braço para me pôr de cama». In Cristina Torrão, A Cruz de Esmeraldas, Edição Ésquilo, 2009, ISBN 978-989-809-261-8.

Cortesia de Ésquilo/JDACT