quarta-feira, 1 de abril de 2020

Cister. Os Documentos Primitivos. Aires Nascimento. «Nós, primeiros monges de Cister, fundadores desta comunidade (o termo latino é ecclesia, por recuperação do sentido bíblico do mesmo…»

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«(…) O carácter documental e factual do texto tornava-o operativo para utilizações sucessivas: é o que acontece com o chamado Exordium Magnum, de Conrado Eberbach, no qual se podem reconhecer tendências polémicas. A análise do texto tem levado a identificar duas partes no documento:
a) I-XV, a fundação de Cister, que pode, por sua vez, repartir-se em I-IV; V-XIV (este, divisível ainda em V-VIII e IX-XIV);
b) XV-XVIII, o modo de vida. Elementos narrativos alternam com elementos documentais. A recolha destes torna manifesta uma intenção: afirmar a legitimidade jurídica e administrativa das acções empreendidas pelos fundadores de Cister. Reconhece-se, por outra parte, um esquema similar na base da organização dos elementos reunidos: pedido apresentado por um grupo de monges a uma autoridade eclesiástica; aceitação do pedido e emissão de um documento; aplicação prática; comentário sobre o carácter canónico dos dados referidos; integração eventual de documentos. Tal esquema favorece a hipótese de se considerar que os elementos não foram reunidos por aluvião, mas se subordinam a um plano. Na segunda parte, em que se descreve a vida dos inícios, juntamente com os elementos narrativos, algo dramatizados, há a sublinhar as reflexões de carácter sapiencial e teológico, onde um novo esquema se torna perceptível: explicitação dos critérios de referência presentes na reforma (a Regra de S. Bento é o dado mais em evidência), indicação das normas práticas. Resultado possivelmente de várias intervenções que se prolongam no tempo, reflecte preocupações e alegrias de uma comunidade monástica na pujança de vida.

Notícia da Fundação de Cister
Nós, primeiros monges de Cister, fundadores desta comunidade (o termo latino é ecclesia, por recuperação do sentido bíblico do mesmo; não é sem interesse reconhecer tal regresso à linguagem bíblica quando sabemos os esforços de Estêvão Harding por melhorar o texto bíblico corrente e eram patentes nas reformas monásticas do tempo as referências à comunidade primitiva de Jerusalém, considerada como ecclesia. Preferimos, à semelhança de outros, traduzir por comunidade que escapa à conotação hierarquizada e vinca o valor de congregação, termo, no entanto, que pelos usos tomados noutros contextos, também não serviria o valor de base, que é o de afirmar a vida apostólica na sua pureza de convocação eclesial), com o presente documento, notificamos quantos vierem depois de nós, dando-lhes a conhecer o carácter estritamente canónico da fundação e o apoio de autoridade que lhe foi concedido bem como o tempo e as pessoas graças às quais o nosso mosteiro e a forma de vida que aí levamos tiveram os seus inícios. Possam eles, assim, através do conhecimento autêntico destes factos, apreciar com maior solidez e perseverança tanto este lugar como a observância da Regra que nós, por mínimos que sejamos, e por graça de Deus, aí introduzimos. E assim rezai por nós que suportámos o peso de toda a jornada e do calor sem desfalece e, por vosso lado, até ao último suspiro, e ao longo do caminho estreito e escarpados que a Regra mostra, esforçai-vos por poderdes firmar-vos auspiciosamente no repouso eterno, uma vez deposto o fardo da carne». In Aires Nascimento, Cister, Introdução, tradução e notas, Edições Colibri, Faculdade de Letras, Lisboa, 1999, ISBN 972-772-032-3.

Cortesia de Colibri/JDACT