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Panteísmo
[…]
III
«Fecundou!... Se eu nas mãos tomo um punhado
Da poeira do chão, da
triste areia,
E interrogo os
arcanos o seu fado,
O pó cresce ante
mim..., engrossa..., alteia...
E, com pasmo, nas
mãos vejo que tenho
Um espírito! O pó
tornou-se ideia!
Ó profunda visão! Mistério
estranho!
Há quem habita ali, e
mudo e quedo
Invisível está...,
sendo tamanho!
Espera a hora de
surgir sem medo,
Quando o deus
encoberto se revele
Com a palavra o
imortal segredo!
Surgir! Surgir!…, é a
ânsia que os impele
A quantos vão na
estrada do infinito
Erguendo a
pasmosíssima Babel!
Surgir! Ser astro e
flor! Onda e granito!
Luz e sombra! Atracção e pensamento!
Um mesmo nome em tudo
está escrito…
Eis quanto me ensinou
a voz do vento.
1865 - 1874.
À História
I
Mas o Homem, se é
certo que o conduz,
Por entre as
cerrações do seu destino,
Não sei que mão feita
d’amor e luz
Lá para as bandas
d’um porvir divino...
Se, desde Prometeu
até Jesus,
O fazem ir …,
estranho peregrino,
O Homem, tenteando a
grossa treva,
Vai..., mas ignora
sempre quem o leva!
Ele não sabe o nome
de seus Fados,
Nem vê de frente a
face do seu guia.
Onde o levam os
deuses indignados?...
Isto só lhe escurece
a luz do dia!
Por isso verga ao
peso dos cuidados;
Duvida e cai, lutando
em agonia:
E, se lhe é dado que
suplique e adore,
Também é justo que
blasfeme e chore!
Já que vamos, é bom
saber aonde...
O grão de pó que o
simoun levanta,
E leva pelo ar e
envolve e esconde,
Também, no turbilhão,
se agita e espanta,
Também pergunta aonde
vai e d’onde
O traz a tempestade
que o quebranta...
E o homem, bago
d’água pequenino,
Também tem voz na
onda do destino!
Porque os evos,
rolando, nos lançaram
Sobre a praia dos
tempos, esquecidos,
E, náufragos d’uma
hora, nos deixaram
Postos ao ar, sem tecto
e sem vestidos.
Estamos. Mas que
ventos nos deitaram
E com que fim, aqui,
meio partidos,
Se um Acaso, se Lei
nos céus escrita...
Eis o que a mente
humana em vão agita!
Ó areias da praia, ó
rochas duras,
Que também
prisioneiras aqui estais!
Entendeis vós acaso
estas escuras
Razões da sorte,
surda a nossos ais?
Sabê-las tu, ó mar,
que te torturas
No teu cárcere
imenso? E, águas, que andais
Em volta aos
sorvedouros que vos somem,
Sabeis vós o que faz
aqui o Homem?»
[…]
In
Antero de Quental, Antologia, Odes Modernas
Organizacao de José Lino Grunewald e Maria Fernanda AM Andrade
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