segunda-feira, 13 de abril de 2020

Odes Modernas. Antero de Quental. « Se, desde Prometeu até Jesus, o fazem ir …, estranho peregrino, o Homem, tenteando a grossa treva, vai..., mas ignora sempre quem o leva! »


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Panteísmo
[…]
III
«Fecundou!... Se eu nas mãos tomo um punhado
Da poeira do chão, da triste areia,
E interrogo os arcanos o seu fado,

O pó cresce ante mim..., engrossa..., alteia...
E, com pasmo, nas mãos vejo que tenho
Um espírito! O pó tornou-se ideia!

Ó profunda visão! Mistério estranho!
Há quem habita ali, e mudo e quedo
Invisível está..., sendo tamanho!

Espera a hora de surgir sem medo,
Quando o deus encoberto se revele
Com a palavra o imortal segredo!

Surgir! Surgir!…, é a ânsia que os impele
A quantos vão na estrada do infinito
Erguendo a pasmosíssima Babel!

Surgir! Ser astro e flor! Onda e granito!
Luz e sombra! Atracção e pensamento!
Um mesmo nome em tudo está escrito…
                                                           
Eis quanto me ensinou a voz do vento.

1865 - 1874.


À História
I                                                            
Mas o Homem, se é certo que o conduz,
Por entre as cerrações do seu destino,
Não sei que mão feita d’amor e luz
Lá para as bandas d’um porvir divino...
Se, desde Prometeu até Jesus,
O fazem ir …, estranho peregrino,
O Homem, tenteando a grossa treva,
Vai..., mas ignora sempre quem o leva!

Ele não sabe o nome de seus Fados,
Nem vê de frente a face do seu guia.
Onde o levam os deuses indignados?...
Isto só lhe escurece a luz do dia!
Por isso verga ao peso dos cuidados;
Duvida e cai, lutando em agonia:
E, se lhe é dado que suplique e adore,
Também é justo que blasfeme e chore!

Já que vamos, é bom saber aonde...
O grão de pó que o simoun levanta,
E leva pelo ar e envolve e esconde,
Também, no turbilhão, se agita e espanta,
Também pergunta aonde vai e d’onde
O traz a tempestade que o quebranta...
E o homem, bago d’água pequenino,
Também tem voz na onda do destino!

Porque os evos, rolando, nos lançaram
Sobre a praia dos tempos, esquecidos,
E, náufragos d’uma hora, nos deixaram
Postos ao ar, sem tecto e sem vestidos.
Estamos. Mas que ventos nos deitaram
E com que fim, aqui, meio partidos,
Se um Acaso, se Lei nos céus escrita...
Eis o que a mente humana em vão agita!

Ó areias da praia, ó rochas duras,
Que também prisioneiras aqui estais!
Entendeis vós acaso estas escuras
Razões da sorte, surda a nossos ais?
Sabê-las tu, ó mar, que te torturas
No teu cárcere imenso? E, águas, que andais
Em volta aos sorvedouros que vos somem,
Sabeis vós o que faz aqui o Homem?»
[…]
In Antero de Quental, Antologia, Odes Modernas
Organizacao de José Lino Grunewald e Maria Fernanda AM Andrade

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