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A disputa luso-francesa pelo domínio do Brasil até 1580
Jorge Couto
«(…) As tentativas francesas de criar colónias no Novo Mundo
setentrional traduziram-se em rotundos fracassos. No decurso da sua terceira
expedição (1541-1542), Jacques Cartier fundou o forte de Charlesbourg-Royal, nas
imediações da embocadura do rio de São Lourenço, mas apenas conseguiu resistir
dez meses, tendo iniciado a viagem de regresso à Europa em Junho de 1542. Francisco
I nomeara, em 15 de Janeiro de 1541, o protestante Jean François de La Rocque,
senhor de Roberval, tenente-general do Canadá, Saguenay e Ochelaga. As
dificuldades de financiamento e de recrutamento obrigaram o rei e o dirigente
da empresa a alistar nas prisões grande parte do contingente de 150 homens e
mulheres. A frota de Roberval partiu de La Rochelle em Abril de 1542 e alcançou
o seu destino em Agosto. Os colonos franceses reocuparam o estabelecimento
fundado por Cartier, rebaptizado de France-Roy, mas não tiveram melhor sorte do
que os seus antecessores, pois foram obrigados a retornar à Europa em Setembro
de 1543. A oposição dos iroqueses, a dureza das condições climatéricas e o
escorbuto dizimaram a maioria dos membros das expedições e contribuíram para o
seu insucesso.
A continuada presença de navios franceses nas águas brasílicas constituía,
ainda em 1548, um dos obstáculos que mais seriamente afectava o desenvolvimento
da colonização lusitana. Em Maio desse ano, o alcaide de Igaraçu informava João
III da passagem pela costa pernambucana de numerosas embarcações gaulesas
destinadas à região dos potiguaras (que se estendia da Paraíba ao
Cearát) e relatava a ocorrência de recontros navais com os franceses.
Luís Góis, residente na vila de Santos, alertava o rei, também em Maio
de 1548, para o facto de a Coroa de Portugal correr o risco de perder o Brasil
e os seus súbditos as vidas e as fazendas, devido às devastações provocadas no
litoral vicentino pelas armadas gaulesas, compostas por sete a oito navios cada,
que, desde 1546, demandavam anualmente o Cabo Frio e o Rio de Janeiro. O antigo
companheiro de Martim Afonso instava o monarca a fornecer apoio naval aos moradores
de São Vicente (mais de 600 portugueses e de 3 000 escravos) para, antes que
fosse tarde de mais, expulsar os instrusos daquelas paragens.
Uma análise da conjuntura internacional em 1548 revelava a existência de
sérios riscos para a manutenção da soberania lusitana sobre a totalidade do
território brasílico. O falhanço das tentativas francesas de fixação no Canadá,
bem como a cessação da guerra franco-espanhola criaram condições favoráveis
para que o novo rei de França, Henrique II (1547-1559), apoiasse os anseios
expansionistas dos seus súbditos normandos e bretões. Apesar de as negociações
luso-francesas terem evoluído favoravelmente e permitido que o sucessor de
Francisco I concordasse com o projecto de um duplo tribunal de arbitragem, que
funcionaria simultaneamente em Paris e Lisboa, para dirimir os conflitos marítimos
entre as duas Coroas, João III não nutriria grandes ilusões sobre a política
que adoptaria o monarca gaulês relativamente ao Brasil logo que subjugasse a (revolta
da gabelu, imposto sobre o sal) na Aquitânia e que terminasse a guerra com Eduardo
VI de Inglaterra (1541-1553).
A gradual ocupação do litoral resultante da expansão da colonização portuguesa
reduziu paulatinamente o número de enseadas acessíveis aos navios franceses na Costa
do Pau-Brasil. As crescentes dificuldades encontradas pelos armadores norrnandos
e bretões para manter as linhas comerciais com a América do Sul levaram-nos a
envidar esforços no sentido de aliciar Henrique II a adoptar uma política
oficial de apoio à penetração gaulesa nas paragens tropicais, até porque as
várias tentativas de criação de estabelecimentos no hemisfério setentrional
(Canadá), empreendidas pelo seu antecessor, haviam fracassado». In Jorge
Couto, Viagens e Viajantes no Atlântico Quinhentista, coordenação de Maria da
Graça Ventura, Edições Colibri, Faculdade de Letras de Lisboa, Lisboa, 1996,
ISBN 972-8288-21-2.
Cortesia de Colibri/JDACT