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1267, 16 de Fevereiro
O Tratado de Badajoz
«(…) A conquista do Algarve não resolveu
de imediato a questão da soberania sobre a região, pois Afonso X de Castela reclamou
a sua posse pelo facto de esse território ter estado sujeito ao reino mouro de Niebla,
cuja capital fora tomada pelos castelhanos. A apropriação e incorporação das terras
recém-conquistadas decorria em simultâneo com as lutas políticas internas no seio
de cada reino hispânico e com as lutas que travavam entre si na busca de uma definição
mais clara das fronteiras que os separavam. Aliados e inimigos, conforme as ocasiões,
sempre rivais, os reis cristãos espreitavam as fraquezas dos vizinhos para reforçar
as suas posições.
Afonso III de Portugal e Afonso X
de Castela travaram esse jogo ambíguo ao longo dos seus reinados, e o castelhano
conseguiu dispor de direitos eclesiásticos e nomear alcaides para os castelos algarvios
nos anos 50. Por essa altura, o monarca português terá mesmo prometido que o
apoiaria com cinquenta cavaleiros, numa declaração que configurava uma situação
de vassalagem, pois era dever dos súbditos prestar auxilium aos seus suseranos.
Em contrapartida, o soberano de Castela intervinha no Algarve a pretexto de uma
doação vitalícia que lhe fora feita pelo genro, o que mantinha a soberania
algarvia do lado português.
Nos anos 60, Afonso X enfrentou
novos problemas, nomeadamente sublevações de populações muçulmanas e dificuldades
na fronteira com Granada, e a sua fragilidade logo foi aproveitada por el-rei Afonso
III para aumentar a pressão sobre a questão do Algarve. Em 1261, Afonso X ainda
nomeava o bispo de Silves e concedia-lhe privilégios, mas dois anos mais tarde já
buscava a concórdia com o vizinho; a 5 de Junho de 1264, foi celebrado um
primeiro acordo que definia o curso do Guadiana como a fronteira luso-castelhana
o que colocava o Algarve definitivamente do lado português. Por fim, a 16 de Fevereiro
de 1267, era celebrado o Tratado de Badajoz, que confirmava o acordo
anterior. Na subtileza da diplomacia, Afonso X doava a Afonso III e ao seu
sucessor Dinis I, que era neto do castelhano, o Algarve que nós temos de vós,
reconhecendo, na verdade, que o território sempre pertencera ao rei de
Portugal. Ainda assim, as terras meridionais constituíam formalmente um outro
reino, e os monarcas lusos intitularam-se reis de Portugal e do Algarve.
1296. A adopção do português como única língua
da chancelaria régia
Entre as sobrevivências da Roma Antiga
contou-se o uso do latim, através da liturgia, da administração e da cultura.
Acima dos múltiplos falares que se foram forjando pelas movimentações dos povos
e pela sua adaptação a novos espaços, o latim conferia unidade à república cristã
e assegurou-lhe uma comunicabilidade rápida desde a Escandinávia até às praias do
Mediterrâneo, ou desde a remota Irlanda até às terras dos magiares. Com o passar
do tempo, porém, começaram a emergir práticas culturais próprias e identitárias
entre os povos que ganharam dimensão capaz de forjar um sentimento de nação.
Século e meio depois da fundação do
reino de Portugal, a sua população já tinha uma língua que a distinguia entre os
demais povos peninsulares. As fronteiras linguísticas ainda não eram claras: pela
raia, o galego e o leonês ainda se misturavam com a língua portuguesa e no Alto
Douro perduraria um falar distinto que viria a consolidar-se no mirandês dos nossos
dias. E pelo interior do reino havia súbditos d'el-rei de Portugal que viviam em
pequenas comunidades que falavam o árabe ou o hebraico, e conservavam livros nessas
línguas, embora fossem decerto bilingues. No entanto, genericamente, a comunidade
portuguesa que se ia desenvolvendo crescia a falar uma única língua, o que lhe conferia
coesão e identidade. Pronunciada, por certo, com acentuações e dialectos variados, essa linguagem
tendia a ser passada a escrito com alguma uniformidade». In João Paulo Oliveira Costa,
Episódios da Monarquia Portuguesa, Círculo de Leitores, Temas e Debates, 2013,
ISBN 978-989-644-248-4.
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