sexta-feira, 24 de abril de 2020

O Tesouro do Templo. Eliette Abecassis. «Nunca pensei que este tipo de investigação fosse tão difícil. As condições de sobrevivência são precárias: a água rareia, o calor é intenso e, na maior parte das vezes, não encontramos nada mais do que cacos»

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«(…) Finalmente!, exclamou. Vai ser necessário seguires essa pista, se percebes onde quero chegar... De facto, começo a perceber... Também podes interrogar a filha do professor Ericson. Ela mora no bairro onde tu vivias. O professor Ericson não era judeu, interveio Jane, como se adivinhasse os meus pensamentos, mas a filha dele converteu-se ao judaísmo... Veio falar comigo, esta manhã. Bom, tenho de vos deixar, anunciou Shimon. Até breve, Ary. Avançou alguns passos, parou, voltou-se e acrescentou, com semblante carregado: penso que voltaremos a ver-nos, mais cedo do que julgas. Nesse mesmo instante, o homem que parecia dormitar, em frente da sua tenda, aproximou-se. Dei comigo a pensar se ele ouvira a nossa conversa e se não fingira dormir quando eu e Jane passámos por ele. Ary, apresento-te Josef Koskka, arqueólogo.
É horrível, exclamou Koskka, carregando nos erres e revelando, assim, a sua pronúncia polaca, horrível... Estamos todos... Fiquei muito abalado com o que aconteceu a Peter. Além de meu amigo, era um grande investigador, de renome internacional. Não é verdade, Jane? Ela sentara-se numa rocha. Sim, de facto, é horrível, concordou, num fio de voz. O professor Ericson tinha inimigos?, perguntei. Sem dúvida, respondeu Koskka. Ele recebera ameaças recentemente. Certa noite, foi mesmo vítima de uma emboscada. Quiseram assustá-lo, uns homens que usavam turbante, como os beduínos. E quem eram? Não sei, mas, durante a sua estada aqui, Peter tinha travado amizade com os padres samaritanos de Naplusa, porque desejava estudar a recitação que eles faziam de certas passagens bíblicas. Jane meneou a cabeça tristemente. Anteontem, ele foi até à minha tenda para me dizer que limpara, com a ajuda de um pincel e de uma trolha, algumas peças de cerâmica, que achara na copa de Khirbet Qumran. Entre essas peças havia um jarro, intacto, no interior do qual o professor encontrara fragmentos de um manuscrito. Estava eufórico, como se fosse tirar do jarro um homem, com mais de dois mil anos, que lhe revelaria todos os seus segredos em linguagem arcaica. Jane esboçou um ténue sorriso.
Nunca pensei que este tipo de investigação fosse tão difícil. As condições de sobrevivência são precárias: a água rareia, o calor é intenso e, na maior parte das vezes, não encontramos nada mais do que cacos. Depois, é preciso limpar cada fragmento, tentar reconstituir a peça a que pertence e tirar daí algumas conclusões. É como construir um quebra-cabeças ou deslindar um enigma... Mas dizia que o professor Ericson encontrou fragmentos de um manuscrito num jarro..., atalhou Koskka, mostrando-se, de súbito, muito interessado na conversa. Ah, sim, desculpe... Jane fez uma pausa. Fitei o seu rosto marcado pelo cansaço e pela emoção. Josef Koskka tirou o chapéu e enxugou a testa com um lenço. Gotículas de suor escorriam e seguiam pelos pequenos sulcos abertos pelas rugas que lhe marcavam o rosto. Contei-as: uma, duas, três, dispostas na forma de ZI, tau, a última letra do alfabeto, a da verdade, mas também da morte. Tau representa o fim de uma acção, o futuro tornado presente.
É estranho..., comentou Jane. O professor disse-me que um dos fragmentos falava de uma personagem do fim dos tempos, Melquisedec, que o deixara intrigado. Naquela altura, pensei que não era importante, mas, agora... E depois de tudo o que se passou aqui, há tantos anos... Está a referir-se à época em que Jesus viveu perguntou Koskka.
Sim... Depois, houve aquelas discórdias, perfeitamente estúpidas, em torno de Jesus e do Mestre de justiça dos essénios... Mas nós nada temos a ver com isso, rematou Koskka. Procuramos o tesouro do Rolo de Cobre, não o Messias dos essénios. Julgamos, acrescentou Jane, que a soma da prata e do ouro mencionada no rolo ultrapassa os seis mil talentos... É uma quantia astronómica, sem igual, comparada com as riquezas da Palestina daquela época... O equivalente, hoje em dia, a muitos milhões de dólares. Por isso mesmo, esses fragmentos do manuscrito não se volatilizaram!, concluí. Após um breve silêncio, acrescentei: Jane, gostaria de visitar a tenda do professor Ericson. Eu conduzo-te até lá». In Eliette Abecassis, O Tesouro do Templo, 2001, Círculo de Leitores, ISBN 972-423-086-4, Editora Livros do Brasil, colecção Suores Frios, 2003, ISBN 978-972-382-671-5.

Cortesia de CLeitores/ELBrasil/JDACT