quarta-feira, 22 de abril de 2020

A Conquista de Arzila pelos Portugueses. 1471. Paulo Mesquita Dias. «… além de ter permitido a curto trecho a ocupação de Tânger e o retorno ao reino das ossadas do infante Fernando, capturado em Tânger em 1437 e falecido em Fez em 1443…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«Em 1471 Afonso V (1432-1481), rei de Portugal, decidiu voltar ao Norte de África para dar continuidade à política de expansão africana da Coroa. O alvo escolhido foi Arzila e, em Agosto de 1471, a vila foi conquistada por uma hoste portuguesa que contou com 23.000 homens de combate. Pouco estudada pela historiografia, a conquista de Arzila é meritória de um lugar de destaque fruto da sua singularidade. Foi uma campanha meticulosamente planeada que incluiu a compra de toneladas de mantimentos e armas e o recrutamento da maior hoste até então levantada em Portugal. As consequências da queda de Arzila perduraram no tempo: Tânger foi abandonada dias depois e o tratado de tréguas assinado com o sultanato de Fez consolidou presença portuguesa na região, tendo esta permanecido imperturbável até ao início do século XVI, e permitiu a Afonso V abandonar de vez os campos de batalha norte-africanos e dar azo às suas ambições castelhanas. O presente estudo insere-se numa lacuna historiográfica face à pouca atenção que a conquista de Arzila granjeou, até ao momento, por parte dos historiadores portugueses. Assim sendo, é estudada não apenas a conquista de Arzila, enquanto acontecimento limitado ao mês de Agosto de 1471, mas também todos os preparativos que foram levados a cabo para permitirem o sucesso da campanha, bem como as consequências da queda de Arzila, mais prolongadas no tempo. Esse estudo é escorado não só nos relatos cronísticos mas também noutras fontes de tipo narrativo e na documentação de chancelaria. É através do cruzamento das várias fontes que é possível detectar e corrigir determinadas lacunas dos cronistas e dos historiadores que os seguiram». In Resumo

A historiografia sobre a presença portuguesa Marrocos
A historiografia portuguesa tem dedicado abordagens bastante variadas ao tema da expansão portuguesa no Norte de África. Porém, os estudos feitos até ao momento não incidem da mesma forma sobre os diferentes períodos da presença portuguesa na região, que tem por datas limítrofes 1415 e 1769. O período mais estudado, por ser considerado o apogeu da presença portuguesa em Marrocos, engloba os séculos XV e XVI1. Relativamente aos primeiros 100 anos de presença portuguesa na região, o que período que aqui nos importa, os estudos de carácter geral de maior importância são as quase centenárias obras de David Lopes, bem como os estudos mais recentes de António Dias Farinha. Assinale-se ainda a importância da Nova História da Expansão Portuguesa, que no seu primeiro volume faz uma síntese de tudo quanto foi produzido acerca de Marrocos até ao final da década de 1990.
No que a temas específicos diz respeito, existem numerosos estudos de qualidade dedicados às várias áreas do conhecimento. A historiografia portuguesa tem visado, no que à presença portuguesa no Norte de África diz respeito, temáticas como a do armamento utilizado pelos guerreiros; a violência decorrente de acções militares; a ocupação e defesa de fortificações; o papel da marinha de guerra portuguesa; o decorrer das campanhas militares na região e a adaptação portuguesa a diferentes formas de fazer a guerra. Mas são os estudos específicos sobre as praças portuguesas no Norte de África que mais têm ocupado os historiadores. De entre estes Ceuta tem sido a cidade mais estudada, seguida de perto por Tânger. É compreensível que Ceuta e Tânger concitem tanto interesse por, respectivamente, terem sido a primeira vitória, e conquista, e a primeira derrota do reino de Portugal durante o processo de expansão para fora dos limites geográficos peninsulares. No entanto, afigura-se mais difícil de compreender o porquê de a conquista de Alcácer Ceguer ainda não ter encontrado o seu historiador, sobretudo tendo em conta que representa a primeira conquista em África de Afonso V. Já a campanha comandada por este mesmo rei em 1463-1464 encontra-se melhor estudada. Por fim, também a conquista de Arzila, ocorrida em 1471, não foi, até ao presente momento, estudada de forma aprofundada. Tal situação afigura-se estranha quando é tido em conta que não só constituiu a última vez que um rei português se envolveu em pessoa numa campanha militar no Norte de África, excepção feita ao rei Sebastião I, como representou uma estabilização da presença portuguesa naquela parte do mundo por mais de 30 anos, além de ter permitido a curto trecho a ocupação de Tânger e o retorno ao reino das ossadas do infante Fernando, capturado em Tânger em 1437 e falecido em Fez em 1443, pondo assim fim aos dois traumas que pesavam na consciência do reino, e do seu rei em particular, desde 1437. A conquista de Arzila foi, de resto, tão significativa para Afonso V que este a comemorou através da encomenda das Tapeçarias de Pastrana, que retratam de forma magistral esta mesma conquista e que constituem uma obra-prima do século XV português.
As obras essenciais para o estudo de Arzila são da autoria de David Lopes e de Fayad el Mostafa, mas nenhuma das duas concede particular enfoque à conquista da vila. Apenas na Nova História Militar de Portugal e na Nova História da Expansão Portuguesa a conquista de Arzila merece estudo mais detalhado. No entanto, os estudos são elaborados fazendo recurso quase exclusivamente aos relatos cronísticos de Rui Pina e Damião Góis, carecendo assim de análises complementares fazendo recurso a documentação da chancelaria régia bem como de outras fontes narrativas. É esta análise complementar que, como veremos adiante, permite a detecção e correcção de lapsos e confusões em que Rui Pina, em particular, incorre. Também as mais recentes biografias de Afonso V e João II registam a campanha de Arzila, sem no entanto lhe concederem grande destaque, o que é natural, dados os objectivos biográficos das obras». In Paulo A. Mesquita Dias, A Conquista de Arzila pelos Portugueses, 1471, Dissertação de Mestrado em História, Especialidade História Moderna e Descobrimentos, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 2015.

Cortesia de FCSH/UNLisboa/JDACT