Cortesia
de wikipedia e jdact
«Chantada
a cruz, com as armas e a divisa de Vossa Alteza, que primeiro lhe haviam
pregado, armaram altar ao pé dela. Onde iam as armas do Rei de Portugal, associadas
a elas, ia a Cruz de Cristo. A presença de Cabral na Terra de Santa Cruz era o coroamento
da expansão portuguesa: relacionavam-se as áreas afro-asiáticas e o ocidente americano.
E acabada a pregação, como Nicolau Coelho trouxesse muitas cruzes de estanho com
crucifixo, que lhe ficaram ainda da outra vinda, houveram por bem que se
lançasse uma ao pescoço de cada um. Pelo que o padre frei Henrique se assentou ao
pé da Cruz e ali, a um por um, lançava a sua atada num fio ao pescoço, fazendo-lha
primeiro beijar e alevantar as mãos. Cruz. Missa. Evangelho. Irrompia o Cristianismo,
naquele mesmo instante de sol grande em que se incorporava o Brasil no Império.
Imperio voluntariamente cristão, o dos Avis. De Vera Cruz tinha que ser a terra
descoberta. Perderia o nome, mas ficaria o espírito. A necessidade de
preservação da nova terra que então se afigurava mui conveniente e necessária à
navegação da Índia, deu início à obra colonial. Com os primeiros portugueses iniciava-se
o transplante de toda uma cultura: maneiras peculiares de ver e sentir a vida,
a pautar-lhes o comportamento em relação ao Criador e às criaturas. Homens emersos
de um complexo cultural europeu: o Barroco, que na Península Ibérica se exacerbara
confrontando-se com a originalidade de sua formação espiritual. Esse Barroco incipiente,
visível no manuelino, não se atinha à mentalidade das elites. Contagiara também
o povo.
Até onde o Brasil colonial perfilhou
as formas de vida e concepção do mundo vigentes na Metrópole? Até que ponto conservou-se
intacta, em diferentes cenários, a espiritualidade da cultura portuguesa? Problema
de persistência de estruturas e de ideias, i. e., da organização da colonização
à luz de certas concepções que a inspiraram. Reeditaram-se simplesmente nas novas
terras as cristalizadas instituições metropolitanas ou se ajustaram à realidade
nova? Teria a Colónia exigido tratamento institucional diverso, e imposto uma
dinâmica de criação? As novas terras eram áreas de experiência nova também: a ocupação
reclamaria outras técnicas de vida. Um meio que diferia do metropolitano física,
social, económica e mentalmente propunha um desafio à inventiva institucional. O
estudo de uma das instituições mais significativas da mentalidade ibérica do tempo,
o Santo Oficio (maldito) e sua actuação no
mundo colonial pode servir de amostragem do comportamento europeu. Capítulo da
história da Inquisição (maldita): o sentimento
religioso em trânsito, visto nos homens que o mantinham ou intentavam afrouxá-lo.
E por isso mesmo, capítulo da história da mentalidade colonial, ou antes de tudo,
das atitudes dos grupos que constituíam a sociedade. Capítulo da história das consciências,
do mundo interior.
Colocado o binómio Metrópole-Colónia,
resta a verificação da originalidade desta em relação àquela, ou do seu
decalque.
A
Colónia
A
situação das consciências na sociedade colonial
Intenção
colonizadora e religião
Depois da descoberta, as vagas atlânticas
ao se espraiarem nas costas brasileiras derramavam sobre elas, de tempos em tempos,
fluxos de civilização (desde que Manuel I soube da existência dos seus novos
domínios, daí por diante começou logo a mandar alguns navios a estas partes, e assim
se foi a terra descobrindo pouco a pouco, e conhecendo cada vez mais, até que
depois se veio toda a repartir em Capitanias e a povoar de maneira que agora está).
Presença de uma Metrópole, a se fazer sentir em aportações humanas. Com os homens
ancorava todo um complexo conjunto de crenças e ideias, veículos da própria
vida portuguesa. Transplantavam-se, a longas distâncias e incertos ritmos, ideias
de um mundo branco, não raro exclusivista e intolerante. Mundo hierarquizado consoante
a uma escala de valores que estava então sendo restaurada, e que se procurava
reafirmar constantemente. O colono que demandava o Brasil era agente da cultura
portuguesa que, através dele, se impunha ao país de que se apossava. Canalizavam-se
para o mundo americano elementos espirituais e modos de vida: produtos da actividade
mental, religiosa, artística ou técnica. Concepções de vida, costumes, estruturas
sociais acondicionadas em homens para exportação. Tudo de modo mais ou menos
experimental.
A cultura
está sempre ligada às peculiaridades nacionais: com os colonizadores chegavam também
traços da fisionomia espiritual e moral do povo português». In Sónia
A. Siqueira, A Inquisição Portuguesa e a Sociedade Colonial, Editora Ática, Ensaios
56, 1978, ISBN 978-850-804-875-5.
Cortesia
de EÁtica/JDACT