quinta-feira, 2 de abril de 2020

As Bibliotecas de Castelo de Vide. A Educação Popular (1863-1899). Filomena Bruno. «Se indagarmos quantas são as escolas, ficaremos sabendo que, em números redondos, há 3700 do sexo masculino e apenas 840 do sexo feminino»

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O papel da Escola na instrução do povo
«(…) A alfabetização e a educação cívica tornam-se num projecto tanto destinado às crianças como aos adultos: a instrução e a moral devem ser duas companheiras inseparáveis do homem. (Goodolphim). A instrução, segundo Vieira Silva, tipógrafo do jornal Ecos dos Operários (1850/51) é o melhor meio de moralizar, por outras palavras, previne o operário dos malefícios das plebes urbanas, torna-lhe agradável e fácil o trabalho e confere os princípios e a prática que lhe garantem o bem-estar físico. Confere-lhes não só a liberdade mas também a igualdade.

Instrução da Mulher em Portugal. Importância das Bibliotecas Populares na instrução feminina
António Costa defende já nos finais do século XVIII a instrução da mulher: as mães occupadas com o lidar da casa, ou fora d'ella occupadas também em trabalhar para compensarem a insufficiencia do ganho dos maridos, não têem tempo que lhes chegue. Ahi está a educação das classes populares no lar domestico. (...) Como ha de ensinar e educar os filhos a mãe que não foi educada nem ensinada? Como ha de formar homens e cidadãos aquella que foi deixada na mais completa ignorância? (Costa).
No livro de Joaquim Ferreira Gomes, professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, intitulado Estudos para a História da Educação no século XIX, pode ler-se o seguinte:

A instrução da mulher, na organização do ensino público entre nós, está num imenso atraso. Os factos provam esta verdade. Se indagarmos quantas são as escolas, ficaremos sabendo que, em números redondos, há 3700 do sexo masculino e apenas 840 do sexo feminino. De 4 000 freguesias, 3650 não possuem escolas para mulheres (Gomes).

Mais adiante, Ferreira Gomes transcreve, do Relatório do Decreto de 16 de Agosto de 1870, o seguinte: com uma população de 4 200 000 habitantes no Continente e com 4 800 freguesias, tem Portugal apenas (segundo os últimos dados) 2 300 escolas oficiais e, destas, só 350 são do sexo feminino. Curiosamente, no jornal O Alto Alentejo, de 23 de Agosto de 1908, ainda se lê: não gosto que a minha filha aprenda a ler porque é a perdição das mulheres conta-nos a propósito dos pais não mandarem os filhos à escola, o cronista do jornal O Distrito, que assina João Ninguém. Segundo António Costa em Portugal educam-se incomparavelmente menos mulheres do que homens. As Bibliotecas Populares proporcionariam às mulheres a possibilidade de aumentar a sua instrução. Segundo o Ministro da Instrução, António Costa: o empréstimo pelas casas promove a leitura das mães, das esposas, das filhas, que não concorreriam à bibliotheca, já pela sua lida caseira, já pela discordância com os costumes nacionaes.
E acrescenta ainda que a leitura pelas casas não aproveita só ao leitor porque a discussão familiar que se levantasse em commum crearia no lar um espírito de instrucção que junto ao succedido em outras famílias produziria resultados geraes de vantagem incontestável. Mas como poderia a leitura, a que poucas mulheres tinham acesso nestas bibliotecas, contribuir para a sua instrução? Afinal que obras liam? Como lidavam com a leitura no seu quotidiano? Marlyn Lyons, num artigo intitulado Os novos leitores no século XIX: mulheres, crianças, operários, através dos depoimentos deixados por leitoras da época, do número registado de tiragens de revistas, jornais produzidos por mulheres ou directamente dirigidos para o público leitor feminino, delineia a figura da mulher leitora, no decorrer de todo o século XIX, na Europa. Segundo Lyons, a leitora constitui parte substancial e crescente de um novo público que não só devora romances, mas também lê revistas para mulheres, vida de santos, manuais de cozinha, conselhos sobre etiqueta, revistas semanais ilustradas. Uma leitora que passa a ser objecto de cuidado por parte de romancistas e editores, profissionais que exploram ao máximo as novas capacidades de investimento capitalista.
Neste estudo, seria importante saber se as mulheres tinham acesso a esta(s) biblioteca(s), se poderiam mesmo ser sócias e acima de tudo se essa possibilidade lhes fosse dada, quem eram elas afinal? Que tipo de obras requisitavam e com que frequência? Seria interessante fazer um paralelismo entre o universo feminino que tinha acesso a este acervo e o tipo de população feminina existente nesta época em Castelo de Vide». In Filomena M. F. Sousa Bruno, Mestrado em Formação de Adultos e Desenvolvimento Local, ESE Portalegre, 2010, As Bibliotecas de Castelo de Vide e a Educação Popular (1863-1899), CM de Castelo de Vide, Edições Colibri, 2011, ISBN 978-989-689-139-8.

Cortesia Colibri/JDACT