segunda-feira, 20 de abril de 2020

O ensino da Matemática em Portugal. Uma prioridade educativa? João Pedro Ponte. «[No que diz respeito] ao problema estritamente prático da passagem dos estabelecimentos escolares à universidade (…) a maior parte dos professores da faculdade…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Cada época valoriza diferentes objectivos de aprendizagem dos alunos, que variam à medida que variam as grandes finalidades da educação. Não é a mesma coisa preparar elites para frequentar o ensino superior numa sociedade obscurantista e ditatorial ou proporcionar uma educação para todos visando o exercício da cidadania numa sociedade democrática. Mas será de ter presente que o discurso sobre os maus resultados dos alunos no ensino básico e secundário não é de hoje. Ainda nos anos 40, num pequeno artigo de opinião, em que analisa o desempenho dos candidatos às provas de admissão à universidade, Bento Jesus Caraça (1943) afirma que muitos deles manifestam certos hábitos e vícios de raciocínio (...) altamente perniciosos, destacando erros persistentes em questões de Matemática elementar como operações aritméticas e cálculo de áreas e volumes.
Bento de Jesus Caraça é uma daquelas grandes figuras que vêem muito para além do seu tempo, identificando os grandes problemas e apontando os caminhos do futuro. Um aspecto onde isso se manifesta com clareza diz respeito ao uso das tecnologias no ensino da Matemática. Em contraste com as posições atávicas que continuam a ouvir-se ainda hoje, em pleno século XXI, diabolizando as novas tecnologias como promotoras da preguiça mental, é com uma visão positiva que Bento Caraça perspectiva o seu uso na escola no quadro de um ensino para todos:

Duvidamos que as tábuas de logaritmos, como instrumento de trabalho, conservem por muito tempo a soberania que tiveram. Em certos ramos de aplicação da Matemática à vida corrente, a tábua de logaritmos está hoje de largo ultrapassada pela máquina de calcular (…) Cada época cria e usa os seus instrumentos de trabalho conforme o que a técnica lhe permite; a técnica do século XX é muito diferente da do século XVI, quando os logaritmos apareceram como necessários para efectuar certos cálculos. O ensino do liceu que é, ou deve ser, para todos, deve ser orientado no sentido de proporcionar a todos o manejo do instrumento que a técnica nova permite.

É claro que toda a tecnologia pode ser bem ou mal usada. Um ensino desastrado, cheio de tecnologia, não promove a aprendizagem. Disso não têm as tecnologias culpa nenhuma. Mas uma coisa é certa: as tecnologias têm hoje um papel fundamental na sociedade e a tarefa dos educadores é tirar delas o melhor partido, conservando, como em relação a tudo, o sentido crítico. Em circunstâncias extremamente difíceis, Bento Caraça, coordenador da Secção Pedagógica da Gazeta de Matemática, procurou questionar a tradição da memorização e mecanização. São bem conhecidos os seus comentários mordazes sobre os professores que actuam como sacerdotes do manipanso e a sua condenação de um ensino incapaz de promover o espírito crítico dos alunos. Bento Caraça deixou-nos importantes reflexões sobre os problemas do ensino da Matemática, as aprendizagens, os métodos e as finalidades do ensino, muitos dos quais conservam plena actualidade ainda hoje.

A matemática moderna (anos 60)
Os anos 60 ficaram marcados pelo movimento internacional da Matemática moderna. Os currículos de Matemática foram profundamente reformulados, tendo-se introduzido novas matérias, eliminado matérias tradicionais e, sobretudo, introduzido uma nova abordagem da Matemática e uma nova linguagem pontuada pelo simbolismo da Lógica e da Teoria dos Conjunto. Na origem deste movimento, que teve um paralelo no ensino das ciências, estava a insatisfação crescente dos matemáticos com a preparação dos jovens que então chegavam à universidade. Um dos principais líderes deste movimento, Jean Dieudonné, afirmou na sua célebre conferência no Seminário de Royamont:

[No que diz respeito] ao problema estritamente prático da passagem dos estabelecimentos escolares à universidade (…) a maior parte dos professores da faculdade estão de acordo, creio eu, em pensar que a situação actual é neste campo infelizmente muito má e que se agrava de ano para ano (1961)

Neste movimento foi determinante a influência da perspectiva formalista da Matemática, particularmente na sua versão bourbakista. Para o formalismo, o que conta é o modo como se manuseiam os símbolos e não o seu significado. Ganha-se em rigor mas perde-se na compreensão das ideias e dos conceitos matemáticos. O formalismo foi um programa ambicioso que visava construir uma fundamentação inatacável para a Matemática, objectivo que não conseguiu alcançar. No entanto, viria a consagrar-se como estilo de discurso matemático. Como doutrina para sustentar a didáctica da Matemática, revelou-se completamente inadequado». In João Pedro Ponte, O ensino da Matemática em Portugal, Uma prioridade educativa?, Conferência realizada no Seminário sobre O Ensino da Matemática: Situação e Perspectivas, promovido pelo Conselho Nacional de Educação, em Lisboa, no dia 28 de Novembro de 2002, Wikipédia.

Cortesia de CNEducação/JDACT