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1253,
Maio, 20. O Rei Bígamo
«(…) Consolidada a sua vitória,
pacificado o reino, Afonso III tinha de acautelar a sucessão e a 20 de Maio de
1253 tomou por esposa, em Chaves, dona Beatriz, filha bastarda do rei Afonso X
de Castela. À luz da Igreja e dos ditames da sociedade, el-rei de Portugal
tornava-se bígamo, o que nunca sucedeu, nem antes nem depois. A esposa, porém, tinha
apenas 9 anos, pelo que a sua entrega à corte portuguesa tinha uma leitura
política, mas retardava a questão da sucessão para a idade núbil da nova
rainha. Talvez Afonso III esperasse que o tempo resolvesse o seu problema,
tendo em conta a idade avançada da sua primeira esposa, No entanto, Matilde não
se resignou; pelo contrário, protestou e apelou à Santa Sé. A cúria romana deu
razão à queixosa e em Maio de 1255 convocou o rei para se apresentar no prazo
de quatro meses, a fim de explicar a sua conduta. O rei não acarou a chamada e
o papado lançou o interdito sobre o reino de Portugal, que se prolongaria até
1262.
O casamento d'el-rei Afonso III
com dona Beatriz terá sido consumado por Maio de 1258, quando a rainha
perfez 14 anos de idade, e logo mostrou provas de fertilidade, dando à luz
a infanta dona Branca a 28 de Fevereiro de 1259. No mês seguinte, chegava a
notícia do falecimento da velha Matilde, e Afonso III deixou de ser bígamo,
embora tenha tardado a restabelecer a concórdia com a Igreja.
1254,
Fevereiro/Março. As Primeiras Cortes Gerais
A Reconquista foi concluída pouco
antes e o reino buscava a pacificação, depois dos anos turbulentos do reinado
de Sancho I1. Coube a Afonso III iniciar a consolidação do reino, numa época em
que a fronteira com Castela ainda era instável e que a própria questão da
soberania do Algarve tardava em ser solucionada. E neste tempo o comércio externo
era ainda incipiente. Tendo governado um condado à beira do Atlântico, o
monarca compreendera a importância do comércio marítimo e procurou promover as
exportações pela via marítima, como via para diversificar os mercados e
diminuir os constrangimentos a que estavam sempre sujeitos os negócios
internacionais realizados por terra.
Dentre as medidas emblemáticas do
novo rei conta-se a admissão de representantes dos concelhos às reuniões das
cortes. Desde o tempo de Afonso Henriques que a Coroa ia reforçando a autonomia
de vilas e cidades pela concessão de cartas, de foral. A outorga de liberdades aos
núcleos populacionais era um dos meios que os reis usavam para criar novas
localidades ou reforçar as existentes, com a finalidade de povoar o reino de
forma sustentada. Há muito que os reis ouviam o conselho da nobreza e do clero,
pelo que a abertura das cortes aos representantes do povo é muito
significativa: aumentava a coesão do reino, proporcionava um contacto mais directo
entre o monarca e o terceiro estado e reconhecia ao povo o direito de fazer
propostas sobre a vida comum e de se queixar dos abusos de que poderia ser
vítima. O fortalecimento dos concelhos sempre foi entendido como uma forma de minorar
o poder da nobreza e, consequentemente, de aumentar o da Coroa.
No início de 1254 dveram lugar as
cortes de Leiria, que são as primeiras em que está documentada inequivocamente a
participação de representantes dos concelhos; talvez já tivessem estado
presentes nas que se reuniram em Guimarães no ano de 1250, mas as de Leiria marcam
a consagração do poder desta assembleia para matérias financeiras, como a desvalorização
da moeda e o lançamento de impostos. A força e a representatividade dos
concelhos perdurou até aos nossos dias como um elemento estruturante do país; as
cortes de 1254 devem ser vistas como o momento da consagração definitiva dos
órgãos municipais como participantes activos na definição do país». In
João Paulo Oliveira Costa, Episódios da Monarquia Portuguesa, Círculo de
Leitores, Temas e Debates, 2013, ISBN 978-989-644-248-4.
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