sexta-feira, 3 de abril de 2020

D. Maria. 1521-1577. Uma Infanta no Portugal de Quinhentos. Paulo D. Braga. «… em 1564, que dona Maria teria mantido uma relação amorosa com François Lorraine (1534-1560), grão prior da Ordem de Malta e almirante de França»

jdact

Um Retrato. Traços Físicos e psicológicos
«(…) Segundo Luís Álvares, era tam auorrecida toda a mentira, na casa desta princeza, que huma uez, sabendo que, da sua parte, fora falsamente, hum criado seu, pedir a El-rei dom Joham certo aluitre e o alcansara, em continente o mandou riscar de seus liuros e dar hum pregâo em sua casa que todo, o que tal fizesse, seria logo riscado dos seus e mui grauemente castigado. No que diz respeito a amores, dona Maria terá suscitado paixões, como há muito admitiu Carolina Michaëlis Vasconcelos. Uma anedota recolhida em colectânea anónima da época conta que Jorge Silva, filho do regedor da Casa da Suplicação, João Silva, sendo mancebo namorou a Infante. Mas, como namorava Jorge Silva tanto de escancara, e fez tantos extremos em seus amores, sem a Infante saber disso, que, tendo João III tomado conhecimento do facto, mandou prendê-lo no Limoeiro. Luís de Camões, aproveitando uma cantiga velha, escreveu:

Perdigaó perdeo a pena
naó ha mal que lhe naó venha.

Perdigaó que o pençamento
foy por em alto lugar
perde as penas do voar
ganha as penas do tormento.

Naó tem no ar, nem no vento
azas com que se sustenha
lança no fogo mais lenha.

Quis sobir a huá alta torre
e achouce dezazado,
e vondoce depenado
de puro penado morre.

Se a queixume se socorre
lança no fogo mais lenha
naó ha mal que lhe naó venha.

Tendo passado algum tempo preso, foi libertado por ordem régía. Segundo Prossegue a anedota, húá Dama da Infante das mais entradas em sua graça e favor, dizem que hü dia esüanhou m.'o diante da Infanta sua senhora, o atrevimen.'o de Jorge Silva, e que por elle merecia que S. A. o mandace casdgar de man. qt. entendence elle donde lhe vinha o castigo, e que a Infante lhe respondeu estas palavras, Como que quereis vos fulana que eu tenhá coraçaó p. mand ar fazer mal a quem me queria bem, naó tendo elle outra culpa mais que o bem queme queria. Se bem que Carolina Michaelis Vasconcelos tenha colocado várias objecções a este episódio, o mesmo, ainda assim, não me parece de todo inverosímil.
Ainda sobre reais ou suspostos amores suscitados por dona Maria, houve a ideia de de que Luís de Camões teria tido a infanta como musa inspiradora da sua poesia lírica. Desenvolvida em 1910 por José Maria Rodrigues, foi, poucos anos volvidos, negada por Teófilo Braga, o qual recuperou uma velha hipótese alternativa, a de que a misteriosa mulher que Camões, teria sido dona Francisca de Aragão. Todavia, José Maria Rodrigues voltou a insistir em 1932, quando, conjuntamente com um outro nome de peso na cultura portuguesa, Afonso Lopes Vieira, editou a Lírica Camoneana. Tal motivou uma acesa polémica na imprensa, mobilizando, a favor da tese infantista, Agostinho Campos e, contra, Alfredo Pimenta e Ricardo Jorge. José Maria Rodrigues voltou ao tema pelo menos mais uma vez, em 1938, em artigo saído numa revista brasileira. Apesar de não aceite pelos especialistas com a aspereza de polemista que o caracterizava, Alfredo Pimenta escreveu: não passa dum lindo romance, a ideia do amor entre Camões e a infanta dona Maria tinha tudo para se tornar cara à ficção e assim tem acontecido nas últimas décadas. Por exemplo, teve acolhimento num filme realizado em 1946, Camões, de Leitão Barros e num romance publicado em 2006.
Por seu lado, terá a infanta amado alguém? Teófilo Braga, com a sua frieza habitual, escreveu: nas suas amarguras íntimas, não dava lugar a idealismos amorosos. Talvez tivesse razão. De filha e irmã de reis esperava-se que não tivesse qualquer predisposição para paixões mundanas. Não parece ter qualquer fundamento a ideia, defendida por Brantome, em 1564, que dona Maria teria mantido uma relação amorosa com François Lorraine (1534-1560), grão prior da Ordem de Malta e almirante de França». In Paulo Drumond Braga, D. Maria, 1521-1577, Uma Infanta no Portugal de Quinhentos, Edições Colibri, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-689-244-9.

Cortesia de Colibri/JDACT