domingo, 31 de maio de 2020

No 31. Os Trovadores Medievais. José D’Assunção Barros. «… frequentemente o trovador que louva a sua Dama utiliza uma senha, e jamais enuncia publicamente o nome da Dama a quem dedica as suas canções e o seu serviço amoroso»

Cortesia de wikipedia e jdact

O Amor Cortês. Reflexões Historiográficas
«(…) Contudo, o sistema do Amor Cortês apresenta outros elementos singulares que são tão ou mais importantes do que aqueles mais propriamente associados às normas políticas da vassalagem. Condição integrante da cortesia é a manutenção do Segredo. O Amador deve manter secreta a sua relação amorosa com a Dama, mesmo sendo uma relação idealizada e que não envolve o contacto sexual. Sendo a Dama em muitos casos casada, e em outros casos ocupando uma alta posição, postula-se que a inobservância deste aspecto poderia abalar de uma maneira ou de outra a reputação da Dama, ou então expô-la gratuitamente aos comentários e à curiosidade alheia. Por isso, frequentemente o trovador que louva a sua Dama utiliza uma senha, e jamais enuncia publicamente o nome da Dama a quem dedica as suas canções e o seu serviço amoroso. Neste ponto, portanto, a fidelidade secreta do amor cortês contrasta com a fidelidade vassálica, já que esta é declarada publicamente.
A Mesura, virtude que torna o Amador capaz de comportar-se com temperança e com moderação diante desta relação amorosa que é por outro lado de completa entrega, deve ser cultivada, e na verdade aprendida pelo trovador ou pelo amante cortês que realiza através do amor o aprimoramento do seu espírito. Deve o Amador exercitar uma infinita capacidade de espera, aprimorando uma paciência que é a única virtude que o permitirá manter-se vivo diante deste desejo extremo que está fadado a não se realizar nunca. Neste sentido, desempenha uma função dialéctica imprescindível a virtude da Mesura, através da qual o Amador procura exercer algum controle sobre os seus próprios sentidos, exercitando-se tanto na capacidade de discrição como na de evitar que o conduza aos extremos da loucura e da morte o inevitável desespero diante do afastamento do objecto amado. É assim que o Amor Cortês, pleno deste e de outros paradoxos, apresenta-se simultaneamente como um extravasamento dos sentidos e como um sistema educativo para a contenção dos sentidos.
Outros paradoxos são ainda inevitáveis. Como manter rigorosamente o Segredo exigido pelo sistema cortês, se a função do próprio trovador é a de cantar o Amor? Como cumprir simultaneamente a fidelidade à Dama com uma estrita observância de silêncio a respeito da vassalagem amorosa, e a fidelidade ao próprio Deus do Amor, a quem o trovador também deve servir difundindo a doutrina do Amor Cortês a partir de exemplos concretos e de suas próprias experiências vividas? Esta contradição também tem sido observada pelos estudiosos do Amor Cortês: ao falar de seus próprios casos amorosos, mesmo que de maneira cifrada, o trovador trai a sua própria Dama; ao falar dos casos alheios, destinados a ensinar os aprendizes do Amor a trilhar o caminho da cortesia, o trovador acaba se comportando como um daqueles losengiers fofoqueiros da vida amorosa que estão sempre prontos a tornar público um segredo de amor. Todo o trovador parece estar irremediavelmente aprisionado pelo complexo circuito do dizer e do não-dizer, que é apenas um dos muitos paradoxos característicos do amor subtil. Um outro aspecto que introduz o Amor Cortês no mundo das contradições é a sua já mencionada incompatibilidade com o Casamento na sua forma tradicional, o casamento que será compreendido aqui como o matrimónio oficializado, tornado público, socialmente condicionado pelos interesses familiares e políticos, voltado para a produção do filho que irá herdar o património feudal, e, sobretudo, rebaixador da mulher medieval ao definir a sua rigorosa sujeição ao jugo do marido». In José D’Assunção Barros, A Arena dos Trovadores, 1995, Os Trovadores Medievais e o Amor Cortês. Reflexões Historiográficas, revista Alethéia, UFG, Abril/Maio 2008.

Cortesia de Alethéia/JDACT