Cortesia de jeocaz
A Idade Média ficou marcada pela profunda guerra religiosa travada com os islâmicos pela Terra Santa, a Palestina, pelo obscurantismo científico e cultural, que deu passagem para um exacerbado ascetismo. Guerras santas, pestilências, cultura ascéptica, superstições, isolamento feudal, e vários outros factores, fizeram da Idade Média uma época fértil para a criação de lendas.
No princípio do século IX, os ingleses dirigiram-se às terras da Saxônia, conquistada pelos cristãos, para ali, propagarem a fé da igreja romana. No meio dos propagadores da fé estava um padre inglês, que levava consigo uma jovem de doze anos, grávida. Ele a raptara dos pais e para fugir à desonra do acto, seguira para as terras germânicas. A jovem deu à luz em Mayence: uma menina que foi chamada de Gerberta.
A menina cresceu, tornando-se uma bela jovem. Aprendera com o pai os estudos seculares, enchendo-se de erudição, surpreendendo a todos os doutores com a sua sabedoria. Gerberta interessava-se pelas ciências, mesmo diante das limitações que se lhe impunham por ser mulher, jamais abandonou a aprendizagem. A sua alma intelectual só deu uma trégua quando foi seduzida por um jovem frade da abadia de Fulde. A paixão arrebatou aos dois, fazendo com que se entregassem aos prazeres do amor. O frade, de família inglesa, convenceu a jovem que fugisse com ele. Para acompanhar o amante, Gerberta, que passou a ser chamada de Joana, despiu-se da sua identidade e das raízes, vestindo roupas de homem. Em Fulde, viveu com o amante sob o disfarce, enganando a todos.
Mais tarde, os amantes partiram para a Inglaterra. Apresentada como homem, Joana pôde aprofundar os seus estudos, tornando-se ao lado do amante, os maiores eruditos de toda a Grã-Bretanha. Joana e o amante viajaram por diversos países, buscando a erudição suprema. Passaram pela França, pela Grécia. Por dez anos os amantes viveram a paixão de forma velada em terras gregas. Um dia, o companheiro de Joana foi vítima de uma doença súbita, que lhe consumiu a vida em poucas horas. Solitária e feita em homem, Joana deixou a Grécia, retirando-se para Roma.
Cortesia de jeocaz
Em Roma Joana foi admitida na academia da cidade para ensinar as sete artes liberais. Atraiu para si as honras de monges, padres, ricos senhores feudais e doutores, tamanha era a erudição que trazia. Quando o papa Leão IV caiu doente, Joana foi citada para que ocupasse o seu lugar. Assim, após a morte do papa, aclamada pelos cardeais, diáconos, clero e povo; disfarçada de homem, pela primeira vez uma mulher foi eleita como papa, sentando-se no trono de Pedro, usando o nome de João VIII.
Joana fez um pontificado que foi aplaudido e reverenciado por todas as terras cristãs. Mas a sua verdadeira essência não lhe permitiu viver a farsa por completo. Apaixonada por um oficial da Guarda Suíça, Joana fez dele um amante, revelando-lhe o seu segredo. Nos quartos frios do Vaticano, viveu o seu amor com intensidade, até que ficou grávida. Com as roupas largas que usava, não lhe foi difícil ocultar a gravidez dos olhos do povo e do clero.
Cortesia de jeocaz
Anualmente, os romanos celebravam a festa das Rogações. Era costume que o papa seguisse em frente a uma procissão solene, montado em um cavalo. Joana não fugiu à tradição, montou um cavalo ao sair da igreja de São Pedro. Quando deixou a basílica, a papisa estava revestida com ornamentos pontificais, mostrando a exuberância de toda a pompa da igreja. Dirigia-se à basílica de São João de Latrão acompanhada de um séquito, dos clérigos, nobres e do povo de Roma. Quando caminhava entre a basílica de São Clemente e o anfiteatro Domiciano, o Coliseu; foi arrebatada por fortes dores de parto, tão violentas que fizeram com que caísse do cavalo. Assustado, o povo não se apercebia o que estava acontecendo com o pontífice, que se contorcia no chão. No meio das dores, Joana rasgou os ornamentos e vestes sagradas, expelindo das entranhas, para espanto geral, uma criança.
Humilhada, desmascarada e vencida, Joana sangrava incessantemente, devido à queda do cavalo e ao parto difícil. Tomados pela vergonha e pela cólera, membros do clero cercavam o corpo da papisa para escondê-la da fúria do povo. Diante do choro da criança, um bispo ergueu as mãos para o céu e disse:
-Milagre! Milagre!
Mas o ardil foi em vão. Joana morreu sem que se lhe fosse prestado socorro. Deu um último suspiro e, ainda a sentir-se vitoriosa, partiu para o mundo dos mortos. A criança recém nascida foi sufocada pelos padres. Mãe e filho foram enterrados sem pompas no mesmo túmulo.
Para que não se cometesse o mesmo engano, os sucessores de Joana passaram a ser submetidos à prova da cadeira furada. Após a eleição, momentos antes de ser conduzido ao palácio de Latrão para a tomada de posse, o papa eleito assentava-se em uma cadeira furada no centro, que ficava na capela de São Silvestre, com as pernas separadas, o corpo meio estendido, com os hábitos pontífices abertos, confirmando aos assistentes a prova da sua virilidade.
Joana, a papisa, foi a única mulher da história a presidir a igreja de Roma por quase três anos. A maternidade pôs fim ao seu pontificado!
(A História da Papisa Joana)Cortesia de jeocaz/JDACT