Súplica de Inês de Castro
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Após uma invocação do poeta a Calíope, Vasco da Gama começa por explicar a geografia da Europa e a situação de Portugal no continente (estrofes 6 a 20), «quase cume da cabeça De Europa toda». Inicia então a narrativa da história de Portugal. De Luso a Viriato, passa para o rei D. Afonso VI de Leão e Castela, D. Teresa e o conde D. Henrique. Segue-se a luta de D. Afonso Henriques pela formação da nacionalidade e a enumeração dos feitos guerreiros do primeiro rei de Portugal contra castelhanos, leoneses e mouros. Neste episódio (estrofes 35 a 41) conta-se a história do aio de D. Afonso Henriques. Tendo dado a sua palavra ao rei de Castela que o soberano português lhe prestaria vassalagem, conseguiu o levantamento do cerco castelhano a Guimarães. Mas como D. Afonso Henriques se recusou a acatar estas condições, Egas Moniz foi entregar-se ao rei castelhano, com a mulher e os filhos, comovendo a todos pela sua lealdade e honra. Em seguida (estrofes 42 a 54) é narrada a lenda da batalha de Ourique, em que o fundador de Portugal derrota cinco reis mouros depois de ter uma visão de Cristo. Por este motivo pinta os cinco escudos e os trinta dinheiros na bandeira de Portugal.É mais um exemplo de uma vívida batalha épica, em que os portugueses enfrentam um inimigo cem vezes superior em número. O corajoso exército «Rompe, corta, desfaz, abola e talha» as forças inimigas, pondo os restantes em fuga apavorada. No final, tantos são mortos em batalha que o sangue destes corre em rios e pinta o campo verde e branco de carmesim. A descrição das conquistas do rei Afonso continua (estrofes 55 a 68) em ritmo acelerado: Leiria, Arronches, Santarém, Mafra, Sintra, Lisboa, Óbidos, Alenquer, Torres Vedras, Elvas, Moura, Serpa, Alcácer do Sal, Évora, Beja, Palmela, Sesimbra, Badajoz.
O turbilhão de emoções continua com este episódio lírico-trágico (estrofes 118 a 135), talvez o mais reconhecido d'Os Lusíadas. Convém que se não perca de vista a sua integração no poema, via alocução de Vasco da Gama ao rei de Melinde. Costuma-se classificá-lo como lírico, distinguindo-o assim, sobretudo, dos mais comuns episódios bélicos. D. Inês e D. Pedro são os amantes trágicos por excelência. O seu amor é ilícito, proibido pelos poderes. O poeta que tinha escrito sonetos tão sombrios, de sofrimento amoroso, chama repetidamente este de «puro amor», e censura o rei, de quem tanto elogiara os feitos guerreiros, por esta sombra no seu reinado. D. Afonso IV pretende casar o filho que, apaixonado por Inês, recusa. A solução é eliminá-la. Trazida à presença do rei, esta implora pela sua vida, só para poder cuidar dos seus filhos. Comove o velho soberano, mas os conselheiros e o povo exigem a morte. E assim a frágil e bela apaixonada é assassinada «só por ter sujeito O coração a quem soube vencê-la» (por amar quem soube conquistar o seu coração).
Uma rápida análise do episódio permite encontrar aí presentes, com maior ou menor clareza, elementos trágicos como o destino, que conduz a acção para o final trágico; a peripécia; até algo próximo do papel do coro (apóstrofes). A nobreza moral e social dos personagens é também salientada, de modo a criar no leitor sentimentos de terror e de piedade perante a desgraça que se abate sobre a protagonista (catástrofe). Quando Inês teme mais a orfandade dos filhos que a própria perda da vida, quando ela suplica a comutação da pena capital por um exílio na Sibéria (Cítia) ou na Líbia, entre «toda a feridade», só para poder criar os filhos do seu amor, quando é comparada com «a linda moça Policena, consolação extrema da mãe velha», quando o leitor escuta toda a estrofe 134, e mesmo a 135, estão-se a dedilhar os acordes da piedade. Já os versos iniciais da estrofe 124, a apóstrofe com que termina a 130 (e antes a da segunda metade da 123) e a estrofe 133 estão ao serviço da sugestão do terror trágico. Depois da vingança de D. Pedro, o cruel, é apresentado o brando D. Fernando, responsabilizado pela quase perda do reino durante as guerras fernandinas e pela crise que o país enfrentaria após a sua morte. Interpretando estas crises como consequência ou castigo do amor do rei por Leonor Teles, o romântico poeta acrescenta «Mas quem pode livrar-se por ventura Dos laços que Amor arma brandamente». Por isso, continua, o monarca tem desculpa (estrofe 143) para quem já amou, quem nunca amou será mais ríspido nas críticas.