(1906-1997)
Lisboa
António Gedeão
Cortesia de Rómulo de Carvalho
Amador sem coisa amada
Resolvi andar na rua
com os olhos postos no chão.
Quem me quiser que me chame
ou que me toque com a mão.
Quando a angústia embaciar
de tédio os olhos vidrados,
olharei para os prédios altos,
para as telhas dos telhados.
Amador sem coisa amada,
aprendiz colegial.
Sou amador da existência,
não chego a profissional.
António Gedeão in «Máquina de Fogo»
Cortesia de Rómulo de Carvalho
Amor sem tréguas
É necessário amar,
qualquer coisa ou alguém;
o que interessa é gostar
não importa de quem.
Não importa de quem,
não importa de quê;
o que interessa é amar
mesmo o que não se vê.
Pode ser uma mulher,
uma pedra, uma flor,
uma coisa qualquer,
seja lá o que for.
Pode até nem ser nada
que em ser se concretize,
coisa apenas pensada,
que a sonhar se precise.
Amar por claridade,
sem dever a cumprir;
uma oportunidade
para olhar e sorrir.
Amar como um homem forte
só ele o sabe e pode-o;
amar até à morte,
amar até ao ódio.
Que o ódio, infelizmente,
quando o clima é de horror,
é forma inteligente
de se morrer de amor. "
António Gedeão, in «Máquina de Fogo»
Cortesia de Rómulo de Carvalho