quarta-feira, 9 de junho de 2010

D. Manuel de Meneses: Foi um general da Armada Real, cronista-mor e cosmógrafo-mor de Portugal. Um alentejano de Campo Maior protagonista de muitas «aventuras no mar e em terra»

(1565-1628)
Campo Maior
Cortesia de wikipédia
D. Manuel de Meneses foi um general da Armada Real, cronista-mor e cosmógrafo-mor de Portugal. Num artigo publicado no «Diário do Minho» (28 de Abril de 2003), escrito por Vítor Serrão, aprende-se que, Joana Baptista, freira no convento das Maltesas de S. João de Estremoz, que deixou obras de pintura em casas franciscanas, como o cobre de Santa Maria Madalena proveniente do Convento do Salvador, de Braga (agora no Museu Nacional de Arte Antiga, inv. nº 1058) e em lugares beneditinos, como o Mosteiro de Tibães, «originária de Campo Maior, segundo a tradição, era irmã do general do exército real, D. Manuel de Meneses, cronista do rei».
«Foy duas vezes casado,a primeira com D. Luiza de Moura, filha herdeira de Francisco de Moura, e D. Maria de Castro de quem teve a D. João de Meneses que não deixou successão, e a segunda com D. Maria de Castro filha de D. António de Mendoça, commendador de Moura, senhor de Marateca, e de D. Anna de Castro». In Barbosa Machado.

Planta da Restituição da Bahía, por João Teixeira Albernaz, 1631
Cortesia de wikipédia
«D. Manuel de Meneses, desde muito novo manifestou grande talento; estudou matemática, música e história. Era homem muito perito em assuntos genealógicos. Começou a servir na carreira militar embarcando na armada inglesa que veio a Lisboa a favor de D. António, prior do Crato, e como era de gentil presença e muito semelhante à da gente do norte, foi preso por alguns guardas milicianos como espião dos ingleses, e por esse facto conservou toda a vida a alcunha de flamengo, nome com que nessa época designavam indistintamente, todos os habitantes do norte da Europa. Passada essa ocasião exerceu quatro vezes o posto de capitão-mor das naus da Índia, sendo a primeira em 1581, e depois em 1609, 1614 e 1616, tendo nas penúltima arribado a Lisboa, e na última depois de renhido combate com quatro naus inglesas naufragou na costa da ilha de S. Lourenço, donde afinal surgiu no porto de Goa. Acompanhou a Paris o seu parente o duque de Pastrana, e depois sucedeu no cargo de cronista-mor do reino a Frei Bernardo de Brito e mais tarde no de cosmógrafo-mor a Manuel de Figueiredo, discípulo do célebre Pedro Nunes. Retirando-se então para uma sua quinta em Campo Maior, vivia aí todo entregue aos seus estudos, quando em 1625 foi nomeado com o posto de general para comandar a armada de vinte e seis navios guarnecidos de 24.000 homens com a qual se restaurou nesse ano a Baía. Regressando à pátria desejou o governo do reino do Algarve para viver ali como dizia abraçado com os livros e os seus compassos, mas não lhe satisfizeram essa vontade, e em 1626 foi mandado conduzir as naus que vinham da Índia governadas pelo capitão-mor Vicente de Brito de Meneses. Sendo colhido por uma grande tormenta essa armada, veio por fim a perder-se na costa de França em Janeiro de 1627, e esse infeliz sucesso foi largamente narrado por D. Francisco Manuel de Melo, nas suas Epanáforas. De França passou D. Manuel de Meneses a Madrid e voltando à pátria faleceu pouco tempo depois. Escreveu D. Manuel várias obras, mas de todas unicamente há a certeza de estar impressa a que tem por título: Relacion de Ia armada de Portugal del ano 1626. No século passado saiu por diligência do Sr. Varnhagen, na Revista trimensal do Instituto, um outro trabalho sobre a Recuperação da cidade do Salvador. A Crónica d'el-rei D. Sebastião que ele escreveu e que deixou incompleta, e cujo manuscrito existia no mosteiro de Alcobaça, nunca viu a luz da impressão, e a que o padre Bayer publicou em nome dele é decididamente apócrifa. Se dermos crédito a D. Francisco Manuel de Melo imprimiu-se também uma outra obra de D. Manuel de Meneses escrita em latim e português e cujo título era Relação do sucesso e batalha que teve com a nau S. Julião com a qual, sendo capitão-mor daquela viagem, se perdeu na ilha de Comero além de Madagáscar ou S. Lourenço no ano de 1616»In Portugal, Dicionário Histórico, Manuel Amaral

Capitanias de Castela e de Portugal. Em frente navios de fogo
Cortesia de wikipédia
«Quando moço, Dom Manoel, deu mostras de grande aplicação às boas letras; tanto que sendo filho mais velho, estudou como para letrado. Inclinouse com felicissimo progresso, às sciencias Mathemáticas, em que teve por Mestre ao Padre Delgado, discipulo de Clávio. Soube com perfeição a música, e professou a historia Romana, e Grega: de cujo idioma tinha algum conhecimento: e singular noticia, por longo estudo, das linhagens do Reyno; logrado com tal satisfação de si proprio, que muytas vezes lhe ouvi: "Desejára ter oficio de poder casar, elle sómente, aos homens de Portugal; porque só elle, lhes poderìa dar a cada hum, a molher que lhe competisse". Amava a Poesia, e della antes a poética, que a versificatoria: o que lhe procedia de sêr nos versos (que tal vez provou a fazer) infelicíssimo; quão prático nos preceitos da arte, assi no modo Lyrico, como no Cómico, Satyrico, e Épico. O seu Autor latino era Tácito, o Grego Tucídides; e dos Poetas vulgares, estimava pella variedade o Ariosto: confessando sobre os heroycos, a eminencia do nosso Camões.
Começou a servir na guerra, quando a vinda dos Ingrezes a Lisboa, que o Prior do Crato, Dom Antonio (António I de Portugal), conduziu com grande Armada, em socorro de seus direitos ; e como Dom Manoel fosse então mancebo, e fosse tal, não sendo comummente conhecido, com presença muito semelhante aos naturais do Norte, sucedeu, que por algumas companhias de gente miliciana, foi preso, com vós : De que era espião dos Ingleses, que entre os Portugueses se dissimulava. Por esta causa, reteve toda a vida, a alcunha de Flamengo: como em Portugal viciosamente são chamados, sem distinção, todos os Estrangeiros». «Passada esta ocasião, continuou o serviço da guerra nas Armadas, em as quais foi brevemente capitão dos melhores navios; e quatro vezes depois Capitão-mor das naus da Índia, donde só duas viagens fez a salvamento, e das restantes, uma se perdeo, e arribou outra, de que lhe resultaram mais calunias, que mercês pelas duas que acertou ; ambas de maior crédito, que interesse: o qual ele desestimava, e a penas conhecia, por ser de coração alto, e exquisitamente desapegado de pompas, que reprehendia com sobejo desprezo». In Da Epanáphora trágica de D. Francisco Manuel de Melo

Plataformas que «asentou Dõ Manuel de Meneses»
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Frazão de Vasconcellos só reconhece três Armadas da Índia em que D. Manuel de Meneses foi como capitão-mor. Diz «que a primeira capitania-mor de D.Manuel de Meneses que se encontra documentada é a da armada de 1609, de cinco naus, que saíu a barra de Lisboa em 22 de Março. D. Manuel ía na nau Piedade. As outras eram a Jesus, capitão Antonio Barroso, a Penha de França, capitão Ambrósio de Pina, a Guadalupe, capitão Luís de Bardi.
Depois houve a «Armada de 1613», que se compunha de quatro naus e partiu de Lisboa em 5 de Abril. D. Manuel de Meneses, capitão-mor, ia na nau Nossa Senhora da Luz. Arribaram todas as naus a Lisboa no mês de Agosto e não tornaram a saír nesse ano».
«E por fim «a terceira e última capitania-mor da carreira da Índia» de que teve mercê foi a da armada de 1616, composta das naus S. Julião, em aquale ia embarcando, e das Vencimento e Nossa Senhora do Cabo, capitaneadas, respectivamente, por Lançarote da França Pita e um primo deste, Lançarote da França de Mendonça». In Frazão de Vasconcellos

«A 16 de Agosto de 1616, ao levantar do sol (…) avistou-se o sinal duma nau desconhecida, muito baixo no horizonte. (…) Apenas se via o alto dos mastros, como se uma serra nos separava. Progressivamente apareceram as velas e o casco dum imenso navio… era uma nau portuguesa de 1500 toneladas que se dirigia à Índia.(…) Ao meio dia o nosso navio, o Globo, estava à altura da enorme nau. Às nossa preguntas: "Quem sois ?", "Donde vindes?" responderam da Nau: Do mar». In Edward Terry, tripulante do Globo

«O Homem de Preto»
«Assim aparece na história a figura de D. Manuel de Meneses. Eram quatro os navios ingleses . A carraca, a que os portugueses simplesmente chamavam nau S. Julião, estava por 13°26', no canal de Moçambique, perto da Grande Comore. Os navios ingleses eram naus de guerra, da esquadra de Benjamin Joseph, que saíram com seis naus, entre elas, a Charles, capitânia, Unicorn, James e Globe. A nau S. Julião, que tanto surpreendeu os ingleses pelas suas dimensões era de 1500 toneladas. Seja como fôr, as forças eram desiguais, o contramestre português depois de voltar duma entrevista com o almirante inglês, «declarou em público que só a nau capitânia, que ele vira, bastava para pelejar com a nossa». Antes disso, às perguntas da esquadra inglesa responderam da nau com palavras ultrajosas e fizeram cinco tiros contra o costado, ferindo alguns, depois do que, da Globe fizeram dezoito tiros e a nau continuou também o fogo». O almirante inglês na James aproximou-se então e pediu entrevista com o chefe. Ao cabo de muita insistência e depois de os ingleses emprestarem uma embarcação, apenas foi o contramestre com mais dois homens. Quando voltou e declarou o que vem de sêr dito, «D. Manuel o repreendeu asperamente, dizendo que posto que assim o entendesse, ou por seu pouco ânimo, ou por qualquer outra causa, o não dissesse mais em público, por não fazer descoroçoar a gente».
Uma das testemunhas inglesas fala da silhueta grave dum homem vestido de preto sobre a nau. Estava ao pé do oficial que lhes falava em italiano quando aproximavam-se. Os marinheiros ingleses aprenderam rapidamente que esse homem era o capitão-mór dos portugueses e chamava-se D. Manuel de Meneses.
À exigência dos ingleses de apresentar desculpas, D. Manuel, na varanda da popa, respondeu que "quando Sua Majestade tinha assentado pazes com o seu rei, para que buscavam ocasião de brigas? Que se afastassem da nau e lhe não passassem pela proa, senão que os havia de fazer afastar com artilharia.
Parece que de propósito passaram os ingleses com uma nau pequena pela proa do S. Julião. O capitão-Mor fez tirar com algumas peças. O general Benjamin Joseph, recebe uma bala que o parte pelo meio. Foi o general inglês substituido no comando por Henry Pepwel que mais tarde também será atingido pela artilharia da nau. Só contra quatro navios atraz dele, o S. Julião pôs a proa na ilha Mohilia (Mohéli ou Mwali), das Comoros. Aí, depois da noite passada bem à vista dos navios ingleses, sempre o farol aceso, - não se dirá que fugiu - , o escrivão da nau, da parte dos passageiros, pede a D. Manuel, que se não fizesse a nau à vela daquela paragem, porque entendiam que se perderiam. D. Manuel, furioso, trata-o logo muito mal de palavras, e manda levar a nau, pelas 3 horas da tarde, logo seguida pelo inimigo. De noite voltou a nau a acender farol. Na manhã seguinte, 18 de Agosto, estavam-lhe pela popa as naus inglesas. Dentro dessas naus, na oração dantes do levantar do sol, Edward Perry nota nos marinheiros britanicos uma devoção maior que em algum outro momento, antes ou depois. O homem de preto, em frente, não é um adversário ordinário. Nos sucessos desta armada avulta o heróico combate que D. Manuel sustentou com quatro naus inglesas. Seguia só, pois a nau Nossa Senhora do cabo, e a Vencimento (Vencimento do Monte do Carmo), também designada por Nossa Senhora do Carmo, havia-se separado da capitânia por alturas da Guiné. Seus mastros cortados, incapaz de manobrar, D. Manuel de Meneses vai receber um por um as cargas inteiras de cada navio, ao que também não deixa de lhes responder. Pepwel, ferido, é retirado da luta. A batalha dura até às 3 horas da tarde. O S. Julião dirige-se para a Grande Comore, e apenas com um pedaço de vela no traquete, deriva para as costas da ilha Amgagiza (Ngazidja ou Grande Comore). Ao pedido dos ingleses de se entregar, D. Manuel responde que a nau de Sua Magestade não se entregava, que não viessem mais a bordo, porque os havia de mandar matar». In D. Manuel de Menezes, citado por Frazão de Vasconcellos.

Encontramos D. Manuel de Meneses alguns anos mais tarde, eleito capitão-mór da armada de Portugal para uma expedição de recuperação da cidade brasileira de Salvador de Bahía. Dessa expedição existem numerosos documentos, particularemento um escrito por ele mesmo, em português, Recuperação da cidade do Salvador, que ficou manuscrito, encontrando-se numa biblioteca de Madrid.
É nesse escrito de D. Manuel, que encontramos a citação que parece leitura de Descartes, na primeira parte do seu Discours de la Méthode: «Le bon sens est la chose du monde la mieux partagée; car chacun pense en être si bien pourvu que ceux même qui sont les plus difficiles à Contenter en toute autre chose n'ont point coutume d'en désirer plus qu'ils en ont». Mas Descartes escrevia aproximadamente em 1636 (primeira edição em 1634) e D. Manuel em 1625 «escrita no mar e no porto».

Regimento do Cosmógrafo-Mor, 1592. Biblioteca da Ajuda
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«Eu el Rey (Filipe I de Portugal) faço saber aos que este Regimento virem que, vendo eu a grande importância de que hé a navegação dos mares da coroa, destes meus Reinos, senhorios e conquistas e comercios della, e como o principal effeito do Cargo do Cosmografo mór deve ser em beneficio da mesma navegação, me pareceo necessario verse reformarse o Regimento do dito cargo feito em tempo do Senhor Rey Dom Sebastião, meu sobrinho, que Deos tem, no anno de mil quinhentos cíncoenta e nove». Data da época em que (João Baptista) Lavanha exerce o cargo de cosmógrafo-mor, a publicação do Regimento do Cosmógrafo-Mor (1592), primeiro documento conhecido que fornece informações exaustivas de como o ensino e a formação dos homens do mar era entendida nos finais do século XVI. Trata-se de um documento muito rigoroso, que estabelece um conjunto de disposições reguladoras de toda a actividade relacionada com as navegações, colocando o cosmógrafo-mór como a figura chave de todo o processo. «Hej por bem de lhe fazer merce do ditto officio de Cosmografo mor em portugal como o teuerão João bautista Labanha e Dom Manuel de Meneses Com obrigação de ler em sua casa hûa lição…».Esta menção a D. Manuel de Meneses como Cosmógrafo Mor causa (…) algum embaraço, tanto por este não surgir mencionado em qualquer dos registos consultados, quanto por não ter sido possível identificar nenhum alvará ou carta régia que o nomeie para o cargo. Com efeito, D. Manuel de Meneses substituiu, de facto, João Baptista Lavanha. Mas no cargo, alias vitalício de Cronista-Mor do reino, como se verifica na carta datada de 11 de Outubro de 1625, passada após a morte deste. A importância do cargo (de cosmógrafo Mor) é tal, que sendo este atribuído de forma vitalícia, sempre que os seus detentores estivessem incapacitados de o exercer ou se encontrassem ausentes de Lisboa, era nomeado um substituto. Só se adquiria a posse do cargo por morte do seu original detentor. É exactamente isto que ocorre com as frequentes ausências de João Baptista Lavanha na corte espanhola.

"Assisti com Dom Manoel quasi toda a noite de aquella tribulação, porque lhe devia amor & doutrina ; & querendo elle mudar vestidos, como todos a seu exemplo fizemos, ordenandose cada qual do melhor que tinha ; porque morrendo, como esperava, fosse a vistosa mortalha, recomendação para a honrada sepultura. Em meyo desta obra, & consideração a que ella excitava tirou Dom Manoel os papeis que consigo trazia entre os quaes abrio hum, & voltado para mim (que já dava mostras de ser afeiçoado ao estudo poético) me disse socegadamente : "Este hé hum soneto de Lope de Vega que elle me deu, quando agora vim da Corte ; louva nelle ao Cardeal Barbarino, legado a latere do Sumo Pontifice Urbano VIII". A estas palavras seguio a lição delle, & logo seu juizo ; como se fora examinado em huma serena Academia ; tanto que por razão de certo verso, que parecia ocioso naquelle breve poéma, discorreo, ensinandome o que era : Pleonasmo, & Acirologia, & no que diferião ; com tal socego, & magisterio, que sempre me ficou notavel : sendo tudo explicado com tão boa sombra, que influio em mim grande descuido do risco : donde vim a entender, que este fim, devia de mover comigo tão estranha pratica para o tempo». In D. Francisco Manuel de Melo, EpanaphoraTrágica.

A recuperação de Baía, por Juan Bautista Maíno
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Há inúmeras histórias e crónicas sobre D. Manuel de Meneses, o alentejano de Campo Maior que correu mundo e foi protagonista de muitas «aventuras no mar e em terra, argumentos vivos e cheios de calor humano», escritas por Barbosa Machado e por D. Francisco Manuel de Melo.
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