segunda-feira, 14 de junho de 2010

Manuel Inácio Pestana (1924-2004): Uma homenagem singela de Joaquim Saial «ao homem que esteve ao leme da Callipole», aquela que era a menina escrita dos seus olhos.


Cortesia Edições Colibri
Sinopse:
A partir da tradição do «presépio» de Alpalhão, uma representação declamada e cantada de porta em porta na noite de Natal, apresentam-se do texto popular várias versões usadas em terras alto-alentejanas dos concelhos de Nisa, Crato e Portalegre – Alpalhão, Tolosa, Gáfate, Vale do Peso e Alagoa. Faz-se uma análise comparativa dos textos, identificam-se os personagens intervenientes na representação cénica e tenta-se uma abordagem interpretativa de leitura estrutural segundo esquemas antropológicos.
 
Cortesia de Edições Colibri
Sinopse:
Assim nos queremos identificar com Vila Viçosa e o roteiro da história, não faltam motivos para exibir galões de uma futura e próspera cidade, no interior desta planície alentejana, onde o turismo assume um papel crucial, realçando a importância do riquíssimo património do Renascimento, artístico e cultural, que veio do passado e que o futuro acrescentará e valorizará. Viajar para Vila Viçosa, hoje, a dois passos da Europa, com as novas vias de comunicação, é, sem dúvida, viajar pelos Caminhos da Memória e do Futuro.


Cortesia de saial.info, Revista «Callipole» 
Números 7/8, 9, 10/11, Director: Manuel Inácio Pestana

«Inicio esta página exactamente às 23h44 do dia 23 de Julho de 2004. Neste princípio de noite quente de finais de Julho, acompanha-me a peça Asas sobre o Mundo, de Diálogos, disco mil vezes ouvido, de Carlos Paredes e do contrabaixista americano do meio jazístico Charlie Haden. O mago da guitarra portuguesa morreu hoje, no mesmo dia em que há anos faleceu Amália Rodrigues; desapareceu também, a poucas horas de distância, Serge Reggiani e ontem Sacha Distel; há pouco, foi a vez de Sousa Franco, Henrique Mendes, Maria de Lurdes Pintasilgo e Sophia de Mello Breyner. Tanta gente que de um modo ou de outro nos marcou e que, ao abalar, nos fez partir um pouco consigo...
No aziago 9 de Maio passado, foi Manuel Inácio Pestana quem desistiu do mundo. E, no caso vertente, mais que tudo, deixou Callipole, aquela que era a menina escrita dos seus olhos. Que ele idealizou e fez nascer, de parceria com Joaquim Torrinha, amigo de meio século; que ele acarinhou e ajudou a singrar por onze números, postos em sete volumes; e que decerto lhe retirou momentos necessários à investigação e à escrita que tanto prezava, mas lhe deu tantas alegrias, sobretudo quando saía, airosa e brilhante, ainda a cheirar a cola e tinta, sempre à roda do fim do ano, na casa da Câmara.
Foi Manuel Inácio Pestana quem me convidou para colaborar na revista, já lá vão onze anos, altura desde a qual se estabeleceu entre nós forte amizade intelectual, expressa em muitas conversas, cartas, telefonemas e apresentações mútuas de livros. Lembro-me perfeitamente das três últimas vezes que nos vimos: na primeira, veio de propósito encontrar-se comigo, para entregarmos os materiais da Callipole 10-11 em nova gráfica, de Almada. Esclarecida a confusão sobre a igreja junto da qual nos deveríamos encontrar na Cova da Piedade (não a nova, mas a velha), seguimos para a tipografia, onde passámos boa parte do resto da manhã. Mal sabíamos nós que de certo modo aqueles momentos eram uma espécie de render da guarda... Findo o trabalho, convidei-o e ao motorista da Câmara Municipal que o conduziu de e para Vila Viçosa para almoçarmos – num restaurante da zona, visto que obrigações profissionais e familiares inadiáveis não permitiram que o repasto fosse em minha casa, como desejava. Mas ainda lá fomos refrescar-nos, que o dia estava quente e a viagem de regresso seria longa. Estivemos um pouco na sala, após o que, inevitavelmente, passámos ao escritório. Qual não foi o meu espanto, quando ele, que nunca ali tinha entrado, apontou de imediato para a lombada de um livro de capa verde, de título algo apagado, dizendo: «– O meu amigo tem ali o livro do cónego Alegria!» Tratava-se da História da Capela e Colégio dos Santos Reis de Vila Viçosa, de José Augusto Alegria. Só realmente uma personalidade arguta e com grande prática livresca como ele, de quase toda uma vida, podia distinguir no meio da massa de centenas de livros “aquele”, exactamente “aquele”, quase escondido atrás de uma dúzia de réplicas de lucernas romanas, gregas, árabes e de outras proveniências, que me haviam servido de inspiração para o conto em que metera MIP como um dos principais intervenientes, em «A Vingança de Heliodoro Patacas». E ali, junto aos livros, bebemos um añejo e regenerador rum cubano. «– Que venha ele, que não sou eu quem irá a conduzir a carrinha!», disse, loquaz, quando para tal o desafiei, tocando depois com o seu o meu copo, em último brinde (ironia do destino!) que fizemos.
A penúltima, foi durante o lançamento da revista, na presença do então ministro da Cultura Pedro Roseta. Estava mais alquebrado. A doença ia-o minando e a voz tremia-lhe. Não gostei de o ver, nem de o ouvir. Algo estava diferente das outras vezes. Pareceu-me até que nalguns momentos as lágrimas lhe afloravam aos olhos. «– A Callipole não pode desaparecer, a Callipole tem que continuar...» Sempre o amor pela sua dama... O derradeiro encontro foi na casa de Portalegre, escassas semanas antes do desenlace. Não tomei muita atenção ao que havia naquele escritório. Ia lá para o visitar e não às suas coisas. Sei no entanto que havia uma pesada mesa de trabalho de madeira, uma estante carregada de livros, o computador já inútil, para o qual tantas mensagens eu enviara, e talvez (porque visto de longe) aquilo que me pareceu ser um pequeno desenho emoldurado, do poeta José Régio. Mas o que mais me emocionou foram as três grandes reproduções de obras de Henrique Pousão encaixadas entre o topo do roupeiro, que decerto lhe servia de arrumo, e o tecto da sala: «Cecília», «Esperando o Sucesso» e «Senhora Vestida de Preto». Vila Viçosa sempre presente, naqueles quadros, por via do malogrado pintor, bem como no recipiente de faiança para lápis e canetas com a expressão Callipole que sobre a mesa pousava. MIP comia uma sopa e um iogurte, isto é, fazia que os comia. No entanto, estranhamente, agora o seu aspecto era jovial. Falámos com entusiasmo deste número da revista, combinámos, acertámos, decidimos. Ainda nos rimos, uma vez ou outra. Entregou-me materiais que tinha, pediu-me para ir à Câmara buscar outros que lá estavam. Até que me despedi dele, abraçando-o pela última vez na cadeira de repouso que a desvelada esposa lhe pusera ao lado daquela outra, mais austera, em que se sentou anos a fio e onde produziu boa parte dos seus textos.
Só voltei a estar com Manuel Inácio Pestana quando o recebi na igreja de Nossa Senhora da Conceição para dele me despedir no início da «Grande Viagem». Entre as duas terras de adopção, optou por Vila Viçosa. E ficou perto do estimado colega de estudos, Pe. Joaquim Espanca, que tantas vezes citou. Nunca se conheceram os dois homens. Mas estou certo de que se existe Céu, eles estarão neste momento a discutir pormenores do foral de Vila Viçosa ou qualquer outro assunto da história do velho burgo, sabe-se lá se acompanhados de Túlio, também ele estrénuo amigo da causa calipolense... 
Tomar conta de uma revista nas circunstâncias de todos conhecidas, é coisa bem difícil. De mais a mais com a tradição que esta tem, velha de onze anos – o que para revista municipal, convenhamos, é obra. Sabemos agora na pele o que MIP passou: a disquete que o autor não remeteu, a fotografia que falta ou é preciso substituir por outra melhor, a palavra que de ilegível não se entende, a bibliografia desordenada, o artigo prometido que afinal nunca mais vem e arranjar daqui, remendar dali, mais um telefonema, mais uma carta, mais um e-mail, etc., etc. Mas tudo chegou a bom termo e o leitor tem na sua mão aquilo que nos parece ser de novo um bom número e que sobretudo não deslustra os pergaminhos de Callipole.
Entretanto, no pouco tempo de que dispusemos, alguma coisa de inovador se fez, mantendo-se no entanto a matriz geral da publicação. Não nos interessava revolucionar, mas sim modernizar, num saudável desejo renovador, em mudança de ciclo. Organizou-se um Estatuto Editorial que a revista nunca teve e que estabelece no papel a sua filosofia, esquema organizativo e relações internas e institucionais. Ampliou-se o Conselho de Redacção, com figuras que foram escolhidas pessoalmente pelo novo director, baseado no seu valor intelectual, ligações institucionais e amor a Vila Viçosa. Porque são as duas únicas que têm atribuídas tarefas bem definidas, permitimo-nos citar os nomes do poeta laureado Dr. Ruy Ventura, que fica com as lides poéticas, e do Eng. António Rosa, a quem encarregámos da esperançosa missão de criar um Tempo de Ciência e Tecnologia (em terra de pedreiras, lagares, engenhos de ferro e moinhos de papel...). Deu-se à capa cunho mais actual e normalizado, ou seja, a partir deste número, ela passará a ser facilmente reconhecível pelo seu design, sempre idêntico, variando apenas na fotografia e, eventualmente, quando isso for de todo necessário, na cor. Pela primeira vez, também, há destaque de capa, desta feita para as I Jornadas de Património de Vila Viçosa. Ainda se pensou organizar um número especial de Callipole com os textos produzidos nesse evento, mas a escassa centena de páginas de que se dispunha não o permitiu. Porém, esses materiais, de autorias reputadas, são de excelente qualidade e por isso muito nos honra publicá-los num «Tempo de Património».
Resta-me, em meu nome e no de MIP (acho que ele assim o desejaria), fazer quatro agradecimentos:
Em primeiro lugar, à Câmara Municipal de Vila Viçosa que em mais de uma década sempre soube compreender o interesse deste instrumento cultural e por isso tem financiado a sua publicação. Bem hajam todos os autarcas participantes nesta aventura. Esse será um motivo nobre pelo qual serão lembrados.
Em segundo, a todos aqueles que graciosamente vêm desde sempre colaborando na obra Callipole: autores e Conselho de Redacção. Saliento em ambos os casos, como não pode deixar de ser, o nosso decano, Dr. Joaquim Torrinha, pelo seu esforço, tenacidade, sabedoria de experiência feita e sobretudo juvenil e entusiástico companheirismo. Na mesma linha, uma palavra de apreço e gratidão aos novos membros do Conselho de Redacção, em cujo trabalho Callipole deposita grandes expectativas.
Em terceiro, a todos os amigos, colegas e companheiros de Manuel Inácio Pestana que a meu pedido se disponibilizaram generosa e prontamente para escreverem artigos para o In Memoriam que Callipole lhe dedica». In cm-vilavicosa, Callipole 12, Joaquim Saial

Cortesia de Callipole/JDACT