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Tudo somado, valia a pena arriscar o empreendimento, tanto mais que os infantes
o desejavam ardentemente e muita outra fidalguia jovem ameaçava colocar-se ao
serviço de Castela para alcançar a glória que só os feitos de armas conferem
aos mais nobres. Não me canso de imaginar a alegria dos infantes com esta decisão,
mas também a responsabilidade que sentiram de a planificar de uma forma
cuidadosa. De resto, João I era um guerreiro muitíssimo experiente e astuto e,
logo no Verão de 1412, tratou de organizar um estratagema que lhe permitiu recolher
informações preciosas sobre a cidade a assaltar. Naquele dia 24 de Julho de
1415, enquanto ultimavam os preparativos da frota no Restelo, contou-me João
Gomes Silva como o capitão-mor Afonso Furtado e o prior do Hospital recordavam
orgulhosamente a missão de espionagem que tinham levado a cabo: simularam que
iam à Sicília propor à rainha viúva, dona Branca, que em vez de se casar com o
infante Duarte, herdeiro do trono de Portugal, contraísse antes matrimónio com
o infante Pedro; a corre lusitana sabia que o mais certo seria a proposta ser
recusada, mas isso de nada importava, pois o verdadeiro objectivo da missão era
aportar, à ida e à vinda, em Ceuta e inspeccionar as defesas da cidade, os
locais mais adequados para a frota desembarcar e todos os detalhes relevantes!
Os espiões assim fizeram, sem serem notados nem de dia nem de noite, e logo que
regressaram fecharam-se com o monarca e com os infantes mais velhos num dos
aposentos reais e organizaram uma sessão inesquecível: com duas cargas de
areia, um novelo de fita, meio alqueire de favas e uma escudela, improvisaram
uma réplica da cidade, desenhando as torres, a muralha, o terreno e os seus
declives, e tudo o mais que interessava saber a quem preparava um ataque em
força à rica cidade de Ceuta.
João
I ficou impressionado, agradeceu e recompensou os seus emissários, posto o que
mandou destruir o modelo, para não comprometer o sigilo da operação. A seguir,
tratou de garantir a aprovação da rainha dona Filipa (que os infantes
convenceram sem dificuldade, salvo no que tocava à participação do próprio
marido na campanha) e do velho condestável Nuno Álvares Pereira, um homem de
enorme autoridade e que discretamente abordaram, com sucesso, durante uma
montaria (desenfadamento que el-rei prezava acima de todos os outros)
organizada no Alentejo, um hábil estratagema utilizado para prolongar o segredo
em torno do projecto.
Com
a bênção do rei, da rainha e do condestável, os infantes podiam agora pôr os
preparativos em marcha: nas taracenas (os estaleiros), averiguaram quantos
navios havia e como estavam reparados; mandaram cortar madeira para refazimento
de algumas galés e fustas e trataram de aparelhar carpinteiros e calafates que
colaborassem nisto; deram ordens para que se recolhesse quanto cobre e prata
havia no reino e para que se mandasse trazer mais de fora, através de um bom
acordo com os mercadores, com o que em breve se reuniu bastante quantidade de
metal. Contou-me João Afonso, o vedor da fazenda, que, aflito com a situação
das finanças régias, sugerira aos infantes um ataque a Ceuta, como ele próprio
tratou logo de prover as rendas da cidade e como falou com o tesoureiro da
moeda, Rui Pires Alandroal, embora sem lhe revelar o segredo da expedição;
assim, logo ficaram a postos os fornos da moeda e esta pôde começar a ser
cunhada, de dia e de noite. Quanto ao almirante, descendente dos famosos
Pessanha de Génova que haviam vindo para Portugal ao tempo d'el-rei Dinis I,
foi avisado para prover todos os mareantes, cada qual em seu estado.
A par
de todo o negócio teve de ficar também o escrivão da puridade (primeiro
ministro) do rei, Gonçalo Lourenço Gomide, que mandou fazer cartas em nome do
monarca para o escrivão dos dinheiros (os maravedis) e para todos os oficiais,
coudéis e anadéis (com autoridade sobre os aquantiados das cidades, vilas e aldeias
do reino e sobre os besteiros do conto), para que logo organizassem as suas
revistas às tropas (os alardos); depois, enviariam a João I os cadernos deles,
com indicações precisas sobre o número de homens disponíveis para a campanha,
as suas idades e o equipamento de que dispunham para servir a Coroa». In
João Gouveia Monteiro e António Martins Costa, 1415, A Conquista de Ceuta,
Manuscrito, 2015, ISBN 978-989-881-804-1.
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