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Ainda que este tipo de encontros livres tivessem praticamente desaparecido nos últimos
cinco anos e eu retivesse como uma sombra do meu amor-próprio os semifracassos
sexuais dos últimos congressos: Leyden, Madrid, Montpellier, que me tinham obrigado
a interpretar perante o doutor Buscarons o estúpido papel de marido septuagenário
escassamente atraído, já, pela sua própria esposa e necessitado de uma
sexualidade bioquímica. Viagra, disse ele, enquanto o seu cérebro procurava
contra-indicações e não as encontrava. Não. Não és cardíaco. Não. Não sou. E receitou-me
Viagra quarenta e oito horas antes de partir para a Galiza, um tesouro de
comprimidos romboidais escondido na minha carteira. Um comprimido meia hora antes
mais ou menos da previsão da situação sexual e relaxação mental, como antes, dissera-me
Buscarons, como se antes fosse o tudo e agora o nada. Também não era assim. O
meu cérebro deseja, mas ainda não o faz a partir da derrotada percepção do ancião
no qual sobrevive o desejo e não a potência, mas sim da angústia do homem que
necessita uma transfusão de mulher e pressente que já não seria fácil para ele procurá-la
entre as mulheres jovens e sobretudo novas, à maneira das terras virgens que propiciam
a tensão da conquista. Por vezes ainda pressinto uma tensão homem-mulher com as
minhas alunas e deixar-me-ia levar por ela, como noutras ocasiões, mas o sete
da minha nova década paralisa-me, activa o sentido do ridículo e a substituição
do tal como sou pelo tal como me vêem. Jamais, jamais se disse que o doutor
Matasanz cometera um deslize ao insinuar-se a esta ou aquela aluna ou professora
auxiliar, nem nunca se me atribuiu fracasso algum na cama, podendo exibir uma agenda
cheia de direcções propícias, mas que correspondem a mulheres que cresceram comigo,
que se gastaram comigo e que só as poderia convocar para que me aplaudissem ou para
que eu as aplaudisse a elas, tudo menos convocá-las para uma operação harém
saudade em que Paquita Rubial exercesse o papel de esplêndida mamona mas com
meia dentadura já postiça ou Mercedes Anglés voltasse a insistir em que lhe atasse
aqueles noutros tempos transparentes punhos dos quais se prolongava um dorso de
navio, dos melhores navios, com um … no qual se podiam comer sopas e uma c… dantesca,
não debalde por mim se vai à cidade doente, escreve Dante. Outras quinze
sobreviventes na minha memória erótica, de um total de quarenta e cinco
mulheres que me acompanharam numa cama ou num instrumento equivalente, conduziam-me
a uma sexualidade memorizada, mas não havia carne fresca, salvo a daquela bolseira
italiana empenhada em levar para a frente uma tese sobre a minha contribuição para
o estudo da canção nacional espanhola e que se comovia cada vez que eu murmurava:
este niño se lleva la flor. Que los otros no.
Este
menino leva a flor, os outros não, digo a Myrna mal fica envolvida pelos três homens
que a esperavam meditativos sobre as bondades de um menu escasso, mas atractiva
a caldeirada ou o sortido de mariscos, por mais que o português lhes oponha a maldição
daquele que partilha o seu corpo com o colesterol. Você não tem colesterol? Não,
mas poderia ter. É uma graça indirectamente dirigida a Myrna, acostumado a que se
ria de tudo quanto diga, inclusive das anedotas mais disparatadas e, com efeito,
desata-se a rir, ciente de que o faz sem sentido da adoração, mas sim como um
simples acto reflexo compensatório do meu trabalho. Um caldinho e pernil com
grelos, peço para estupefacção de Estremoz García e Figueiro d’Amaral, carcomido
o primeiro por todas as úlceras que cabem num estômago humano e muito especialmente
as de um catedrático por oposição, e afogado em colesterol o português, como só
se pode afogar em algo um português. Totalmente. Myrna olha para mim com um ar
gozão e desafiador. Está a dizer-me: logo não vais poder dormir, e sabia que eu
lhe estava a responder: isso depende de ti. Os outros dois estão interessadíssimos
na minha intervenção no congresso, ambos surpreendidos pela minha dedicação a Erec
e Enide, os dois mitos arturianos menos estudados pelos investigadores, talvez
porque não escondam qualquer mistério». In Manuel Vázquez Montalbán, Erec e Enide,
2002, Difel, Algés, 2003, ISBN 972-29-0651-8.
Cortesia de Difel/JDACT