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«A batida do tambor e a música baixa e
lenta da gaita soavam ao longe. Era um chamado dos clãs para anunciar que o chefe
estava a morrer. Nessas horas até inimigos implacáveis se esqueciam dos
ressentimentos, deixavam as espadas de lado e iam honrar o chamado. Sem se dar
conta da batida distante, uma corça pastava à luz do crepúsculo que se esvaía
entre as urzes e as rochas da colina no sopé das Cairngorms. Ouviu-se o
estampido de um tiro, depois outro, intercalados apenas pelo som de um
batimento cardíaco. O cervo cambaleou e caiu. Trobhad! Vamos lá! Gritando em
gaélico, uma jovem garota, de talvez doze ou treze anos, saiu correndo do
emaranhado de árvores próximas com o rosto sujo alerta e contente enquanto
corria descalça em direcção ao animal ferido, o mosquete nas mãos ainda
soltando fumaça. O seu cabelo comprido e preto estava todo bagunçado, mas o
vestido, embora típico das Terras Altas, era de veludo e renda. Anne, fuirich!
Espere! Um rapaz mais velho, com boina de chefe e kilt xadrez, saiu
detrás da menina, com a segunda arma na mão, o brilho do cabelo loiro
avermelhado ainda visível na escuridão cada vez mais intensa. Anne não prestou
atenção nele, nem hesitou. Derrubou o mosquete enquanto corria, retirou uma
adaga do cinto preso na cintura e, para evitar os cascos do animal ferido,
pulou sobre ele, a espada curta em punho. Quando a menina pulou, o animal,
assustado, debateu-se, tentando levantar-se. Os cascos bateram na canela da
menina. Anne ganiu, tropeçando em direcção às urzes. O jovem, dois passos atrás
dela, jogou a arma no chão, tirou o punhal, ajoelhou-se e levantou a cabeça do
animal para terminar o serviço. Anne pulou para frente, no peito do animal,
para enfiar o punhal na garganta da corça primeiro. Apanhei-o, disse ela. Havia
um tom de desafio na sua voz. Do outro lado da carcaça que ainda estremecia, o
jovem olhou para ela, enquanto o cheiro grosseiro de sangue dominava o
ambiente. Tudo bem, MacGillivray, admitiu ela. Nós dois o apanhámos. Então ela
enfiou os dedos no corte do pescoço do animal e, com o dedo do meio, desenhou
uma linha sanguinolenta no meio da testa. Mas matei-o. Satisfeita por ter o direito
assegurado, ela deu um pulo e ficou de pé. A dor percorreu o seu corpo. Soltou
um urro antes mesmo que pudesse contê-lo. Anne cambaleou, e o jovem
MacGillivray segurou-a. Ela levantou a saia de veludo comprida e olhou para
baixo. O seu tornozelo direito havia começado a inchar. Então tentou novamente
depositar o peso do corpo sobre o pé, mordendo os lábios para não urrar de dor
outra vez. Eu levo-te, ofereceu MacGillivray. E a
corça? Vai ter de esperar. Gu dearbh, fhèin, chan fhuirich! Certamente
não terá! Ela não ia perder a caça. Havia poucas corças nas colinas, e eles
tinham tido sorte de encontrar aquela. Os nativos famintos não eram os únicos
possíveis caçadores ali. Os lobos vão pegá-la antes de percorrermos metade do
caminho até casa. Eu vou colocá-la em cima de uma árvore. Vou levá-la de volta
para Invercauld. Eles vão levar comida, se puderem. Foi um ano escasso para
todos nós. Mas ele vai comer. A garganta de Anne fechou-se. E vai recuperar as
forças. A sua voz tremeu. Talvez então todos possam ir para casa também. MacGillivray
olhou para ela. Aos dezanove anos, ele era uma cabeça mais alto que ela.
Poderia lembrar a ela que o chefe não conseguia comer havia dias. Em vez disso,
pegou-a pela cintura, levantou-a e a colocou sobre o ombro. Aonde está indo? Ela
lutou. Colocá-la na árvore, explicou ele enquanto
caminhava de volta para o bosque. Enquanto ela deslizava o traseiro no galho da
árvore em que ele a colocara, MacGillivray preparou e carregou o mosquete de
Anne antes de a entregar. Mas ainda acho que a corça deveria ficar aí. Vai
embora, Alexander? Ele cruzou o seu mosquete no peito e pendurou a carcaça nos
ombros. Não estava feliz diante da perspectiva de voltar sem ela. Eles não
faziam parte do seu clã. Aquelas não eram as suas terras. MacGillivray chamou-a
enquanto ele se distanciava. Ele se virou, ainda pronto para colocar a corça na
árvore e tirar Anne de lá. Por ali, mostrou ela. Siga o som do tambor. MacGillivray
expirou, virou-se e andou na direcção que ela indicara. A cabeça da corça batia
nas suas costas a cada passo, e o sangue do animal pingava. Diga que eu a
matei, gritou ela enquanto ele sumia de vista. Agora estava sozinha. Entre as
rochas, dois gatos selvagens andavam em círculos, cortejando-se e miando. Uma
coruja caçadora piou. A lua crescia por detrás das colinas. O luar fazia a poça
de sangue da corça brilhar no escuro. Além do vale, um lobo uivou. Anne mudou
de posição na árvore. Se a alcateia viesse naquela direcção, sentiria o cheiro
do sangue e iria atrás da corça. MacGillivray havia pendurado o mosquete no
ombro; para carregá-lo, teria de soltar a corça. Os lobos se lançariam em cima
dele, vorazes. Ele daria um tiro e teria tempo para carregar a arma e atirar de
novo enquanto os animais arrastassem a corça, mas, com apenas um punhal, se
fossem mais de dois lobos, MacGillivray perderia a caça. Anne olhou ao redor da
árvore, pendurou o mosquete num pequeno galho e tirou o punhal do cinto. Quando a lua indicou no céu que já eram
onze horas, os lobos encontraram a poça de sangue congelado. Eles também
sentiram o cheiro azedo de seres humanos, mas a fome deixa a todos menos
reticentes, e era possível ver as costelas dos três animais por baixo da pele
magra. Um deles farejou a poça. Outro levantou a cabeça e uivou. O terceiro encontrou
o trilho que, para eles, era o caminho que a presa ferida tomara; os demais
correram atrás, seguindo-o. O galho onde antes Anne estava sentada agora se
encontrava vazio. Perto dele, a madeira branca de um galho indicava um corte
recente. Gotas de sangue da corça brilharam no trilho irregular que
MacGillivray abrira. Respirando e caminhando com dificuldade por entre as
rochas e o bosque, Anne segurava debaixo do braço esquerdo uma muleta
improvisada com o galho cortado da árvore, o cano do mosquete em baixo do
direito, e trazia o tornozelo inchado enfaixado sem cuidado com um pedaço de
pano rasgado da saia. Ela havia ido em direcção a Invercauld, mas ainda estava
longe. Atrás dela, bem longe no trilho, um lobo uivava. Ela parou, virou um
pouco o tronco e escutou, tentando medir a distância e a velocidade do animal.
A luz alta da lua iluminava o chão coberto de urze e as pequenas árvores,
formando sombras escuras. A parte da frente do vestido de Anne brilhou de modo
ameaçador no luar». In Janet Paisley A Rosa Rebelde, Editor Bizâncio, colecção Ilhas
Encantadas, 2009, ISBN 978-972-530-421-1.
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EBizâncio/JDACT