jdact e wikipedia
«Há uma citação famosa que li em
algum lugar. Ela diz que recebemos segundas chances a cada dia de nossas
vidas. Elas estão ali para serem agarradas, só que não costumamos agarrá-las. Passei
grande parte da vida provando essa citação. Deram-me um monte de oportunidades,
às vezes a cada dia. Por um longo tempo, falhei em não agarrar nenhuma delas,
mas depois, no início da Primavera de 2007, isso finalmente começou a mudar.
Foi quando fiz amizade com Bob. Olhando para trás, algo me diz que aquela pode
ter sido a segunda chance dele também. A primeira vez que o encontrei
foi numa sombria noite de quinta-feira, em Março. Londres ainda não havia se
livrado do Inverno e ainda havia um frio cortante nas ruas, especialmente
quando os ventos sopravam do Tamisa. Havia até mesmo um indício de geada no ar naquela
noite, razão pela qual retornei para minha nova moradia subvencionada em
Tottenham, no norte de Londres, um pouco mais cedo do que o habitual, depois de
um dia fazendo apresentações de rua na região de Covent Garden. Como sempre,
trazia o meu estojo de guitarra preto e a mochila pendurados nos ombros, mas
naquela noite também tinha comigo a minha amiga mais próxima, Belle.
Nós
havíamos saído juntos anos atrás, mas, agora, éramos apenas colegas.
Pretendíamos comer alguma comida pronta e barata com curry e assistir a
um filme na pequena televisão a preto e branco que eu conseguira encontrar numa
loja de caridade virando a esquina. Como de costume, o elevador do prédio não
estava a funcionar. Por isso, dirigimo-nos para o primeiro lance de escadas,
resignados em encarar a longa subida até ao quinto andar. A lâmpada
fluorescente no corredor estava queimada e parte do térreo estava imersa na
escuridão, mas, enquanto caminhávamos para a escada, não pude deixar de notar
um par de olhos brilhantes nas sombras. Quando ouvi um miado suave e
ligeiramente melancólico, percebi o que era. Chegando mais perto, à meia-luz,
vi um gato laranja enrolado sobre o capacho de um dos apartamentos do andar
térreo, no acesso que partia do corredor principal. Cresci no meio de gatos e
sempre tive certa queda por eles. Ao me mover até ele para olhá-lo melhor, constatei
que se tratava de um macho. Eu não o havia visto antes perto dos apartamentos, mas,
mesmo na escuridão, pude notar que havia algo de especial nele. Eu já era capaz
de afirmar que ele tinha certa personalidade. Ele não estava nem um pouco nervoso;
na verdade, era exactamente o oposto. Havia nele uma confiança calma e
imperturbável. Parecia estar muito bem acomodado ali nas sombras e, a julgar
pela forma como me fitava com um olhar firme, curioso e inteligente, era eu
quem estava entrando no seu território. Era como se ele estivesse dizendo-me:
então, quem és tu e o que e o fazes aqui?.
Não
pude resistir a me ajoelhar e me apresentar. Olá, companheiro. Eu nunca te vi
antes, moras aqui?, disse. Ele apenas olhou para mim com a mesma expressão compenetrada
e um pouco distante, como se ainda me estivesse a avaliar. Decidi acariciar o seu
pescoço, em parte para ser amigável, mas também, em parte, para ver se ele
usava uma coleira ou qualquer forma de identificação. Era difícil ter a certeza
no escuro, mas percebi que não havia nada, o que imediatamente me sugeriu que
ele fosse um gato de rua. Londres tinha mais do que a sua justa cota deles. Ele
pareceu estar a gostar do carinho e começou a se esfregar levemente contra mim.
Enquanto eu o acariciava um pouco mais, pude perceber que sua pelagem estava em
mau estado, com trechos irregulares sem pelos aqui e ali. Claramente, estava a necessitar
de uma boa refeição. E, pela maneira como se esfregava contra mim, também precisava
de uma boa dose de amor. Pobrezinho, acho que é um vira-lata. Ele não tem coleira
e está muito magro, disse, olhando para Belle, que me esperava pacientemente ao
pé da escada. Ela sabia que eu tinha um fraco por gatos. Não, James, tu não
pode ficar com ele, disse ela, apontando para a porta do apartamento em frente
à qual o gato estava sentado. Ele não pode ter simplesmente aparecido aqui e acomodado
nesse local. Deve pertencer a quem vive aí. Provavelmente está esperando que a
pessoa volte para casa e o deixe entrar. Relutantemente, concordei com ela. Eu
não podia simplesmente pegar o gato e levá-lo para casa comigo, mesmo que todos
os sinais indicassem que ele realmente não tinha um lar». In James Bowen, Um Gato de Rua
Chamado Bob, 2012, Editora Novo Conceito, cdd 636-70929, 2013, ISBN
978-858-163-152-3 ou ISBN 978-858-163-291-9.
Cortesia de
ENConceito/JDACT