terça-feira, 21 de março de 2017

Odes Modernas. Dia Mundial. «Impulso universal!, forte e divino, aonde quer que irrompa!, e belo e augusto. Quer se equilibre em paz no mudo hino…»


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Antologia. Panteísmo
«Aspiração..., desejo aberto todo
numa ânsia insofrida e misteriosa...
A isto chamo eu vida: e, d’este modo,

que mais importa a forma? Silenciosa
uma mesma alma aspira à luz e ao espaço
em homem igualmente e astro e rosa!

A própria fera, cujo incerto passo
lá vaga nos algares da deveza,
por certo entrevê Deus, seu olho baço

foi feito para ver brilho e beleza...
E se ruge, é que a agita surdamente
tia alma turva, ó grande natureza!

Sim, no rugido há uma vida ardente,
uma energia íntima, tão santa
como a que faz trinar ave inocente...

Há um desejo intenso, que alevanta
ao mesmo tempo o coração ferino,
e o do ingénuo cantor que nos encanta...

Impulso universal!, forte e divino,
aonde quer que irrompa!, e belo e augusto.
Quer se equilibre em paz no mudo hino

dos astros imortais, quer no robusto
seio do mar tumultuando brade,
com um furor que se domina a custo;

quer durma na fatal obscuridade
da massa inerte, quer na mente humana
sereno ascenda à luz da liberdade...

É sempre eterna vida, que dimana
do centro universal, do foco intenso,
que ora brilha sem véus, ora se empana...

É sempre o eterno gérmen, que suspenso
no oceano do Ser, em turbilhões
de ardor e luz, evolve, ínfimo e imenso!

Através de mil formas, mil visões,
o universal espírito palpita
subindo na espiral das criações!

Ó formas!, vidas!, misteriosa escrita
do poema indecifrável que na Terra
faz de sombras e luz a Alma infinita!

Surgi, por céu, por mar, por vale e serra!
Rolai, ondas sem praia, confundindo
a paz eterna com a eterna guerra!

Rasgando o seio imenso, ide saindo
do fundo tenebroso do Possível,
onde as formas do Ser se estão fundindo...

Abre teu cálix, rosa inalterável!
Rocha, deixa banhar-te a onda clara!
Ergue tu, águia, o voo inacessível!
[…]

In Antero de Quental, Antologia, Odes Modernas

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