Cortesia
de wikipedia e jdact
«(…)
E onde é a próxima saída? É em Ikejiri, mas acho que só chegaremos lá de noite.
De noite?, inquietou-se Aomame, ao imaginar que ficaria presa no táxi até ao
anoitecer. A música de Janáček continuava a tocar. Os instrumentos de corda, em
surdina, surgiam em primeiro plano como que para acalmar os ânimos exaltados.
Aquela estranha sensação de estar sendo espremida já não era tão intensa como
antes. O que será que aconteceu? Aomame pegara o táxi nas proximidades de
Kinuta e, de Yôga, pedira para o motorista pegar a Rota 3 da via expressa. No
começo, o tráfego fluía normalmente, mas, nas proximidades da Sangenjaya, de
repente, a via tinha começado a ficar congestionada e o trânsito travou.
Enquanto a expressa no sentido bairro fluía bem, no sentido oposto o
congestionamento era monstruoso. Normalmente, a via expressa no sentido centro,
após as três da tarde, não costumava parar. Razão pela qual Aomame havia pedido
que o motorista fosse por ela. Na via expressa, a tarifa não é cobrada pelo
tempo, disse o motorista, olhando o espelho retrovisor. Por isso, não se
preocupe com isso. O problema é você se atrasar para o compromisso, não é? Realmente,
não vai ser bom; mas não tem outro jeito, tem?
O
motorista olhou de relance o rosto de Aomame moldado pelo espelho retrovisor.
Ele usava óculos de sol, as lentes levemente escurecidas. De onde ela estava, a
luminosidade não permitia que visse a expressão dele. Talvez exista um jeito.
Digamos que é uma saída emergencial para você apanhar o comboio até Shibuya. Saída
emergencial? Não é muito comum. Aomame aguardou a continuação da conversa com
expectativa no olhar. Está vendo lá na frente um espaço reservado para o estacionamento?,
perguntou o motorista apontando naquela direcção. É bem na altura daquela placa
enorme da Esso.
Ao
olhar atentamente, Aomame viu que do lado esquerdo da via dupla havia um local
reservado para os carros avariados. Como não existem estacionamentos ao
longo das vias expressas, determinados locais são reservados para encostar
carros numa eventual emergência. Ali estão instaladas cabines amarelas com
telefones de emergência para falar com o escritório da Companhia Metropolitana
do Sistema Viário. Naquele momento, não havia nenhum carro no local. Em cima do
prédio que ficava rente à via oposta havia um outdoor enorme com a propaganda
da Esso: um tigre sorridente segurando o bico da bomba de combustível.
Lá
existe uma escada para que os motoristas possam abandonar os carros e descer do
viaduto em casos de incêndio ou terremoto. Mas, geralmente, são os operários
que fazem a manutenção da via que costumam utilizá-la. Se você descer a escada,
vai estar bem próxima da estação onde passa a linha Tokkyû. Apanhando o metro,
estará em Shibuya num piscar de olhos. Eu não sabia que havia uma escada de
emergência na via expressa, disse Aomame. Em geral, quase ninguém sabe. Mas...,
se eu usar a escada sem ser em caso de emergência, não vai dar problema? O
motorista fez uma pausa antes de responder. Será? Não conheço muito bem o
regulamento dessas empresas públicas de trânsito, mas acho que eles fariam
vista grossa; não estaria prejudicando ninguém. E acho difícil ter alguém
vigiando o local. Afinal, todo mundo sabe que, apesar de ser grande o
contingente de funcionários, são poucos os que realmente trabalham.
Como
é essa escada? Bem, ela se parece com aquelas escadas de emergência utilizadas
em casos de incêndio. Aquelas que se veem nos prédios antigos do lado de fora.
Não é perigosa. A escada tem a altura de um prédio de dois andares e é
relativamente fácil descer por ela. Logo na entrada há uma cerca, não muito
alta, que não será difícil pular. O senhor já precisou usar essa escada? Não
houve resposta. O motorista apenas esboçava um sorriso que Aomame viu através
do espelho retrovisor. Um sorriso que dava margem a inúmeras interpretações. A
decisão é sua, disse o motorista, batendo as pontas dos dedos no volante, ao
ritmo da música. Se quiser ficar sentada ouvindo tranquilamente música num bom
aparelho de som, por mim tudo bem. Nesse caso, só nos resta conformar, pois,
seja como for, não iremos a lugar algum. Mas, se tem um compromisso urgente, há
de convir que existe uma
alternativa, ainda que emergencial». In In Haruki Murakami, 1Q84, 2009, Casa
das Letras, 2011, ISBN 978-972-462-053-4.
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de CasadasLetras/JDACT