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A
Religiosidade e o Reino
«(…)
Os séculos X e XI constituem para o ocidente europeu um período de plena
manifestação religiosa, durante o qual, segundo Marcel Pacaut, a fé penetra
mais profundamente nas almas e permite transformar o comportamento dos
indivíduos que tomam consciência do que ela representa e do que ela exige. Com
a Reforma Gregoriana, essa nova espiritualidade é introduzida no Ocidente e a Igreja
afirma a sua independência temporal diante dos poderes laicos. A redefinição
institucional da Igreja, imbuída dos princípios do Dictatus Papae, permite proclamar o primado absoluto de Roma
sobre a Igreja e as comunidades cristãs.
O
monasticismo, fenómeno social que se irradiou ao longo da Idade Média, exerceu
profunda influência na sociedade medieval. Nasceu numa época em que a Igreja
Cristã se convertera em instituição jurídica, com plena capacidade de coordenar
uma forma de vida original e apropriada a um mundo em transição, reflexo das mutações
ocorridas na Europa Ocidental. Os chefes bárbaros e herdeiros de imensos latifundia e incapazes de
administrarem suas riquezas, quase inesgotáveis, proporcionaram aos mosteiros
condições materiais para o seu crescimento. As doações aos fundadores dos
mosteiros era de fácil generosidade. Na opinião de R. Latouche, dotar um
mosteiro, para aqueles homens supersticiosos e de ingénua consciência, era uma
garantia contra a ameaça dos castigos eternos.
Desde
o primeiro século, constata-se que grupos de cristãos viviam num estado
religioso diferente dos demais, isolando-se dos núcleos populacionais e
praticando a caridade, a humildade e a resignação. No Oriente (Egito, Síria,
Palestina, Ásia Menor), o monasticismo implantou-se sobre estruturas mais
sólidas, a partir da segunda metade do século III. Somente em meados do século
IV é que o movimento monástico se desenvolveu no Ocidente, sob as ruínas do
Império Romano Ocidental e com a presença dos povos bárbaros.
Marcel
Pacaut afirma que o monasticismo propriamente dito foi revelado, no Ocidente,
por Santo Atanásio de Alexandria, que se exilou em Tréves, nos anos de 335-338.
Em 370, diz esse autor, a Vida de Santo António, redigida em grego, foi
transposta para o latim e exerceu profunda atracção sobre as almas de elite.
Por volta de 374, São Jerónimo, oriundo do norte da Itália, foi para o Oriente
e como eremita permaneceu alguns anos no deserto de Chalcis, meditando, traduzindo
e comentando a Bíblia. Graças à influência de Atanásio e Gerónimo,
organizaram-se núcleos comunitários de religiosos, que passaram a actuar de
maneira decisiva nos assuntos da Igreja.
O
nascimento de comunidades cenobitas na Península Ibérica é ponto controverso
entre os estudiosos do assunto. A esse respeito, comenta assim Fortunato Almeida:
parece que foi nos meados do século
VI que pela primeira vez se estabeleceram na Espanha mosteiros, em que certo
número de homens se reuniam em vida comum sob uma regra e constituição especial.
Já Marcel Pacaut, observa que, na Península Ibérica, nos fins do século IV e
início do século V, os bispos combatiam comunidades eremitas de monges,
taxando-os de priscilianistas. Dentre os prelados lusitanos que combateram o
priscilianismo, destacaram-se Idacio (de Eremita) e Ithacio (de Ossonoba). O
Priscilianismo afirmava que o Pai,
o Filho e o Espírito Santo eram uma só pessoa e não três: que as almas dos
homens e dos anjos se originaram da substância de Deus, ao passo que os corpos
humanos foram gerados por obra do diabo. Que o diabo nasceu do cahos, e é o
causador de todo o mal que existe; que tanto as almas como os corpos dos homens
estão subordinados aos astros. No Concílio de Braga, foi condenado o
priscilianismo galego, Seja maldito
quem acreditar que as almas e corpos dos homens estão de modo fatal sujeitos ao
influxo das estrellas, como disseram os pagãos e Prisciliano. Mais
tarde, em 572, por ocasião do 2º Concílio de Braga, novas medidas foram
verificadas, inclusive determinando que os prelados, ao visitarem as igrejas
das suas dioceses, alertassem os homens do povo para evitarem os ideais
priscilianistas». In Sidinei Galli, A Cruz, a Espada e a Sociedade Medieval Portuguesa,
edição do Autor, História, volume 28, Universidade Aberta, Editora Arte e
Ciência, Biblioteca da FCL, 1997.
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