quarta-feira, 31 de maio de 2017

O Amor no 31. Inês. Maria Fialho Gouveia. «A senhora de Albuquerque não se cansava de alembrar à sua prima a fineza da sua genealogia, por mor de a manter viva, sublinhando que aquele seu proeminente antepassado casara com dona Teresa Sanches»

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As Encostas de Albuquerque
«(…) A pequena Castro era uma donzela de boa linhagem, filha natural do nobre galego Pedro Fernandes Castro com a sua amante portuguesa, dona Aldonça de Vaiadares. O pai cedo confiara a educação da filha à sua prima, Teresa, unida por matrimónio a Afonso Sanches, filho ilegítimo de Dinis I, rei de Portugal, que por ela zelara desde os seus primeiros passos. A dama espanhola. Mãe de um único filho vivo, João Afonso Albuquerque, tido pelo Ataúde, agora já homem feito, com 26 anos, criara-a com o esmero de a uma filha. Primos direitos, Pedro e dona Teresa eram netos de Sancho IV de Castela, embora filhos de diferentes cortesãs daquele rei, de quem descendiam por via da bastardia. Unia-os, assim, o sangue e a estirpe, que orgulhosamente defendiam e que conduziu Inês da sua Galiza natal ao calor da Extremadura.
Inês Valadares Castro nascera em Monforte de Lemos, abastado e frondoso domínio do seu pai, senhor de Lemos e Sarria, em 1325. Tinha um par de anos de idade apenas quando foi entregue a dona Teresa Martins Meneses, sua prima em segundo grau por via paterna, para ser criada na Extremadura castelhana, junto à fronteira com Portugal, no senhorio de Albuquerque. A alma soalheira e solta da jovem Castro logo rimou com a clara luz da paisagem raiana e o alvoroço próprio da sua localização limítrofe, que dava passagem entre os dois reinos. A imponência daquele alcácer, que se elevava ufano das colinas escarpadas da serra de São Pedro, os seus baluartes, as suas portas de arcos quebrados, e a largueza das vistas que das suas ameias se alcançavam, arrastavam céu acima o pueril espírito de Inês. Dali se vê o mundo inteiro!, dizia na sua candura. E se a fortaleza a engrandecia, era na pequena igreja trecentista de Santa Maria Maggiore, românica e situada no interior do castelo, que a Castro apaziguava o seu ânimo sedento de aventura, penitenciado nas suas preces de criança.
Diziam uns que o nome daquela terra, que a petiza logo amara, vinha do árabe Abu al-Qurq, pai da cortiça ou do carvalho; outros, que a baptizara antes a expressão latina Albus Quercus, que significava azinheira branca, o que de facto rimava com a paisagem deste feudo. O que se tinha por certo, todavia, era que as origens da pequena vila de Albuquerque se perdiam na névoa do tempo. Provavelmente, contara-lhe dona Teresa, teria sido fundada pelos celtas, antes ainda da chegada dos romanos, uns 6oo anos antes de Cristo. Mais de um milénio depois, fora invadida pelos mouros, tal como grande parte da Península Ibérica, despoletando as guerras da reconquista cristã, que se prolongaram por vários séculos, tornando-a um palco de batalhas, que a passavam de mão em mão. Em 1166 foi a vez de ser arrebatada aos sarracenos por Fernando II de Leão, que a doaria, uma década mais tarde, à Ordem Militar de Santiago; mas não muito tempo passaria até que voltasse para o domínio muçulmano, por acção do califa Abu Yaqub Yusuf al-Shanid. Já na décima terceira centúria, Afonso Teles Meneses, antepassado de dona Teresa, encontrou Albuquerque abandonada e tratou de a povoar definitivamente com as suas hostes lusitanas e cristãs. Data assim da era milenar o seu robusto castelo, cujos muros foi reforçando contra o ataque dos infiéis, ciente de que a vila não estava suficientemente segura; sete anos assim aguentando, com bravura e valentia, as investidas dos mouros, que chegaram a deixar a povoação sitiada, sem água nem mantimentos.
A senhora de Albuquerque não se cansava de alembrar à sua prima a fineza da sua genealogia, por mor de a manter viva, sublinhando que aquele seu proeminente antepassado casara com dona Teresa Sanches, filha ilegítima do rei Sancho I de Castela, vindo a ter por bisneto ao conde João Afonso Telo, mordomo-mor de Dinis de Portugal, 1º conde de Barcelos e 4º senhor de Albuquerque. E que esse senhor da ditosa vila não era nem mais nem menos do que o pai desta prima que tanto bem lhe queria: o resto já tu bem sabes: que herdei o senhorio de meu pai, tendo-me depois unido por matrimónio a Afonso Sanches, filho natural e eleito do rei Dinis, nascido em 1279, três anos antes dos esponsais de seu pai com Isabel de Aragão». ». In Maria João Fialho Gouveia, Inês, 2016, Topseller, 20/20 Editora, 2016, ISBN 978-989-884-372-2.

Cortesia de Topseller/20/20 Editora/JDACT