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O desenvolvimento económico, a distribuição da população e a organização
paroquial da região (Douro e Minho) podem ser explicados nos meados do século
XI pela persistência das paróquias do tempo visigótico e dos inúmeros núcleos
populacionais. As lutas internas e a guerra contra os muçulmanos ruíram a organização
administrativa e militar, mas mantiveram a organização paroquial e diocesana,
com os fiéis reunidos em volta das igrejas e unidos ao prelado.
A
organização eclesiástica portuguesa, a partir do século XII, apresenta um
quadro complexo: de um lado, os bispos, os cónegos e a corporação dos clérigos;
de outro, o clero paroquial e os padroeiros leigos. Em 1073, o monge
Hildebrando, filho de camponeses de Toscana, membro da ordem de Cluny, foi
aclamado papa sob o nome de Gregório VII. Novas directrizes são traçadas e inicia-se
a reforma da igreja, segundo a qual a autoridade do papa é considerada
universal e ilimitada. A reforma da igreja ocidental, a reconquista cristã na Península
Ibérica, o restabelecimento da unidade religiosa com o oriente, são alguns dos
pontos considerados necessários ao desenvolvimento da política do Sumo
Pontífice.
Os
princípios definidos no Dictatus
Papae possibilitam a centralização do poder eclesiástico sob
a autoridade do papa.
Para realizar a reforma da igreja, para serem respeitados os decretos pontifícios
pelos bispos, clérigos e leigos, era indispensável o estabelecimento de fortes
elos que ligassem a Roma as igrejas e reinos do ocidente. Essa incumbência
caberá às ordens monásticas religiosas francesas, como as de Cluny e de Cister.
Os monges de Cluny, empenhados na execução da política do papa Gregório VII
(Reforma Gregoriana) aceleram o processo da reconquista ibérica, incitando os
monarcas cristãos na luta contra os muçulmanos. O desastre de Zalaca (1086) fez
com que Afonso VI voltasse as suas vistas para a França e precipitasse a vinda
para as regiões ibéricas de cavaleiros franceses impregnados do espírito cluniacense
de cruzada. A presença da ordem de Cluny em terras ibéricas já se manifestara
anteriormente, pelo casamento de Afonso VI com Constança de Borgonha sobrinha
do abade Hugo de Cluny.
A
anarquia reinante numa igreja submetida no crescente poder temporal, a
indisciplina dos suseranos feudais e, sobretudo, a ausência de uma unidade
religiosa, com bispos transformados em verdadeiros senhores feudais, fraccionam
o poder da Santa Sé. Os senhores da igreja, aliados de príncipes e nobres, mais
do que à sua instituição, serviam aos interesses da ordem feudal. Neste
contexto, já adverso às aspirações da igreja cristã ocidental, acrescenta-se a
presença do mouro nas regiões da Península Ibérica. O infiel sarraceno
constituía um corpo estranho no orbis
christianus, daí a necessidade de combatê-lo, segundo as forças cristãs.
De acordo com a ética bélica medieval cristã, a guerra justa contra o infiel
representa a sustentação das próprias comunidades cristãs ibéricas. O papa
Alexandre II dizia pode-se combater
justamente os sarracenos pois eles perseguem os cristãos e os expulsam da
cidade e lar. A guerra justa, revestida de traços religiosos, assume
o carácter de juízo divino sobre a injustiça.
Nos
fins do século XI, a Europa atinge um período de rápido desenvolvimento económico,
que marca o ápice do feudalismo e o colapso do monopólio cluniacense. A
expansão provoca uma diversificação de oportunidades e de formas de vida,
proporcionando novas possibilidades para a organização das actividades humanas.
O declínio cluniacense permite a ascensão de Cister, cujos monges buscam o
isolamento completo do mundo, o retorno à pureza beneditina, a austeridade no
modo de vida e nos costumes da sociedade e dos mosteiros.
Os
cistercienses associaram-se às necessidades militares do reino de Portugal na
luta contra o mouro, na defesa dos territórios conquistados no povoamento e
arroteamento de extensas regiões ermas. As exigências que se impunham ao reino
pobre e escassamente povoado permitiram o incremento da ordem. Ganham
ressonância as actividades agro-pastoris que serão desenvolvidas pela ordem nas
regiões incultas (Cod. 886, Biblioteca Pública do Porto, cap.17). Os monges de
Cister propuseram fecundar a terra com trabalho; transformar em campo fértil a
gleba inculta; substituir o bosque improdutivo por vinhedos e olivais, atrair e
fixar colonos, pois o crescimento populacional seria o melhor estímulo para a intensificação
da actividade produtiva. Esses elementos identificaram os meios manipulados
pelos viri religiosi na
sua tarefa de povoar e agricultar o solo portugalense, num momento de agitação
vivido pela precoce nação, envolvida por guerras, lutas civis e por uma
população escassa, rústica, pobre e com profundo espírito de religiosidade
cristã. O desejo de conquistar por parte da realeza e nobreza superou o de
colonizar que foi, em parte, realizado pelos monges. Como diz Alexandre
Herculano a ideia do ferro se associa quase sempre à da espada e raramente à do
arado». In Sidinei Galli, A Cruz, a Espada e a Sociedade Medieval Portuguesa,
edição do Autor, História, volume 28, Universidade Aberta, Editora Arte e
Ciência, Biblioteca da FCL, 1997.
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