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A
Religiosidade e o Reino
«(…)
Nota-se que a observação de Marcel Pacaut refere-se a um caso singular de
monasticismo e que a verdadeira organização monástica ocorre, nos meados do
século VI (534), com o crescimento da Regra de São Bento de Núrcia. Jacques
Boussard diz que, em fins do século VII, a expansão dos mosteiros beneditinos é
uma decorrência quer da crise do monasticismo de tipo irlandês, trazido por São
Colombano, quer da pouca praticidade da regra. Enquanto isso, a Regra de São
Bento, afastada de sua forma original, porque imbuída de valores ascéticos e da
espiritualidade de São Cesáreo, converteu os germanos e favoreceu a crescente
difusão do movimento. Desde então, os mosteiros passaram a buscar evangelização
das regiões em que actuavam, difundindo o culto paroquial, a liturgia renovada,
o estudo e o trabalho manual.
Comentando
a adopção da Regra de S. Bento pelos mosteiros peninsulares, J. Mattoso
ressalta a íntima união entre a penetração da reforma monástica na Hispânia e a
abertura desta região às instituições políticas e culturais. O monasticismo
ibérico ampliou-se no período da dominação visigótica. A existência de comunidades monásticas na
região que veio a se constituir no Reino de Portugal remonta do tempo dos
suevos e, mesmo muitos conventos pertencentes ao Minho e à Beira, são
justificados por documentos que datam dos séculos IX a XI. Durante o
domínio da monarquia visigótica, o clero desfrutava de invejável situação,
autoridade sobre os actos civis, superintendência dos magistrados (incumbência
dos bispos). Esta posição do clero perdurou até à dominação árabe e renovou-se
quando surgiram as monarquias cristãs na Península Ibérica. O seu prestígio
encontra explicação no facto de ele pertencer à classe detentora de imensos
domínios (latifúndios), ser culturalmente superior, além de beneficiário da fé
religiosa dos povos.
Acresce
a isso a autoridade e prestígio do papa, papa qui et ecclesia dici potest. Fortunato Almeida põe em
destaque essa proeminência do clero, no período visigótico. A lei dos visigodos não é uma lei bárbara;
evidentemente é redigida pelo filósofos do tempo, pelo clero. Encerra muitas
ideias gerais, teorias e teorias inteiramente estranhas aos costumes bárbaros.
Assim a legislação dos bárbaros era uma legislação pessoal, isto é, a mesma lei
só se aplicava aos homens da mesma raça... Mas a legislação dos visigodos não é
pessoal, é territorial. Todos os habitantes da Espanha, romanos ou visigodos,
estão sujeitos à mesma lei... Numa palavra, toda a lei visigótica tem carácter
sábio, sistemático, social. Sente-se nela a obra do clero que predominava nos Concílios
do Toledo e tão poderosamente influía no governo do país (...).
A
estreita colaboração dos poderes civil e religioso e a subordinação do rei ao
Concílio caracterizam a Igreja visigótica até à chegada dos muçulmanos no início
do século VIII. Na tradição visigótica, os bispos eram eleitos nos concílios e,
algumas vezes, nomeados pelos reis, sob a influência do clero ou dos nobres da
corte. Os concílios eram convocados pelo rei, por exemplo, como o VIII Concílio
de Toledo. Os bispos não tinham autoridade para se reunirem sem a autorização
do monarca. O rei, a ordem eclesiástica e os nobres da corte eram os componentes
das reuniões conciliares. A ordem clerical tinha como membro mais importante o
bispo, vindo, a seguir, o vigário e o abade. Os vigários substituíam os bispos
nos concílios, quando estes não pudessem comparecer. A partir do Concílio VIII, começaram a assistir os concílios, por
direito próprio, os abades dos mosteiros, direito que alcançaram pela
superioridade de cultura intelectual e pelo prestígio moral de que o monocato
gozava naquele tempo.
As
monarquias cristãs ibéricas foram influenciadas pela tradição visigótica, que
não se manteve imune a algumas alterações. No século XI, os papas excluíram os
leigos da eleição episcopal. A grande mudança no sistema eleitoral
eclesiástico, porém veio no século XII, quando o colégio de cardeais passou a
eleger o papa e os cónegos, o bispo. Era
costume insinuarem ou pedirem os reis de Portugal aos cabidos a pessoa em quem
devia recair a eleição; mas o pedido não obrigava os cónegos a escolherem o
indicado pelo Rei. Esta mudanças foram confirmadas pelos pontífices no
IV Concílio de Latrão (1215)». In Sidinei Galli, A Cruz, a Espada e a
Sociedade Medieval Portuguesa, edição do Autor, História, volume 28,
Universidade Aberta, Editora Arte e Ciência, Biblioteca da FCL, 1997.
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