terça-feira, 23 de maio de 2017

Deslumbrante. Madeline Hunter. «Ele observava-a como se ouvisse os seus cálculos mentais. Quer mesmo essa informação?»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) No que diz respeito às mulheres, os meus sentidos nunca me enganam. Pelo menos não nesse sentido. Ele se referia às flechas estúpidas e ao medo ofegante que ela sentia, à excitação chocante. Ele sabia. Pior, abordava o assunto em voz alta. Ele estudava-a, avaliando algo. O olhar dele a atraía e assustava ao mesmo tempo. Aquele sorriso outra vez, tentando deixá-la à vontade como se a elogiasse sem usar palavras. Não me atrevo a confidenciar o que tenho sem saber o papel que desempenha. Sua presença é inesperada. Se estou pagando, por que se interessa em quem ouve a sua história? Duvido que tenha dinheiro suficiente para pagar, ainda que eu vendesse. Ela temeu que ele tivesse razão. Tudo nele denotava a mais alta qualidade. Uma corrente de ouro pendia do colete bordado com bom gosto, presa a um relógio de ouro, sem dúvida. As dez libras e o medalhão de ouro que trazia escondidos na bolsa não impressionariam um homem daqueles. Sujeitava-se a ter feito aquela viagem toda, arriscando a pele e a reputação, e a acabar falhando só porque as exigências do Dominó seriam dispendiosas demais.
Ele observava-a como se ouvisse os seus cálculos mentais. Quer mesmo essa informação? É tão bonita que eu até lhe dava em troca de um beijo. Um beijo! Começo a pensar que é um charlatão, se aceita pagamento tão simples. Dá tão pouco valor aos seus beijos? É fugaz, o valor de qualquer beijo, por maior que seja. Que triste moral. É contrária à verdade, espero. Dizem os poetas que há beijos que sustêm a alma de uma pessoa para sempre. Os poetas são idiotas. A conversa havia tomado um rumo muito peculiar. Receio que tenha razão, mas espero que não. Daí a minha oferta. A minha alma me diz que pode ser aquela mulher cujo beijo terá valor eterno.
Que absurdo ridículo. Ambos sabiam que ele elogiava para servir os seus fins e que o beijo não era sequer o objectivo. A sua expressão denunciava o jogo ao mesmo tempo que ele descaradamente o jogava. Devia colocá-lo em seu lugar e fazê-lo ver que não era uma pateta qualquer que arquejava e desfalecia com as investidas de um homem belo de olhos desconcertantes e sorriso sedutor. Só que, apesar das repreensões mentais, sentia mesmo alguma tontura e excitação, para dizer a verdade. Saía quase um arquejo. Os elogios faziam o seu sangue correr e pulsar. Tenho que descobrir se você é essa mulher, obviamente, prosseguiu ele. Uma vez que não quer negociar, vejo-me forçado a roubar. A cabeça dele inclinou-se e mergulhou. Os seus lábios roçaram nos dela.
O choque paralisou-a. O coração bateu forte. As flechas provocadoras multiplicaram-se e espalharam-se por todo o corpo. Roger beijara-a algumas vezes, e embora os beijos tivessem sido muito agradáveis, o efeito não era comparável. Mas Roger também não era um estranho, e os beijos dele não tinham sido escandalosos, perigosos e deliciosamente proibidos. Os lábios dele não se limitaram a pousar nos dela. Brincavam e mexiam-se e insistiam subtilmente. Uma dentadinha inesperada fez o seu coração dar uma cambalhota.
Um novo toque a distraiu. Sobressaltou-a. Outra suavidade, húmida e endiabrada. Santo Deus, a ponta da língua dele fazia a zona sensível, provocando-lhe cascatas de arrepios pelo corpo abaixo. No meio do torpor, ela sentiu-o agarrar suavemente seu pulso, afastando o braço para virar a pistola para a parede à direita. A arma deixara de os separar, e de protegê-la. A mão dele controlava-a e à arma, mas este beijo interessava-a muito mais do que a voz da razão, que, em pânico, tentou emitir um protesto. Ele aproximou-se mais. Ela ficou com o coração na garganta. A mão direita dele deslizou lentamente pelo pescoço numa carícia de assombrosa ligação física. Cuidadosa, mas controladora. Calorosa, mas não completamente doce. A sensação da pele dele na dela e a ligeira aspereza do seu toque deixaram-na hipnotizada. A sua mão suscitava arrepios deliciosos. Ele segurou sua nuca e beijou-a novamente.
Mais impetuoso desta vez. Mais ávido. Mais agressivo. Ele brincava com a vulnerabilidade dela e manifestava um domínio ao qual, Deus lhe valesse, ela não sabia sequer como resistir. Havia deixado de reparar que era devassa por permitir, ou que se estupidificara inexplicavelmente. Um caos de sensações aprazíveis obscurecia pensamentos assim tão sensatos. A mão esquerda dele deslocou-se, envolvendo a dela, por cima da pistola. Com dedos carinhosos, cuidadosos, sedutores, retirou-lhe a arma. A mão subitamente vazia fez com que uma réstia de bom senso se afirmasse. O que ela estava fazendo? Abriu os olhos, literal e metaforicamente. O que viu arrancou-a de seu torpor. A porta estava aberta. E eles não estavam sozinhos. Outro homem estava atrás de Dominó. O sedutor interrompeu o beijo. Franzindo a testa, seguiu o olhar dela e olhou por cima do ombro. Atravessou-o uma sensação de alarme. Mas o que...?» In Madeline Hunter, Deslumbrante, Edições ASA, 2013, ISBN 978-989-232-372-5.

Cortesia de EASA/JDACT