sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

A Americana que Queria Ser Rainha de Portugal. Ana Anjos Mântua. «Era ainda muito cedo para se reconhecer o valor de uma mulher... Nunca me considerei uma feminista…»

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«Em Outubro de 2012, o meu querido amigo José Alberto Ribeiro, após ter visto um conjunto de documentos de uma colecção particular, que na altura não estava no âmbito da sua investigação, lançou-me o desafio de pesquisar e estudar esta personagem, praticamente desconhecida dos portugueses e terrivelmente malvista pelos que alguma vez ouviram falar dela, Nevada Hayes (nome pelo qual é mais conhecida), viúva do infante Afonso, duque do Porto, irmão do rei Carlos I. Assim, numa primeira reacção, não foi um tema que me tenha despertado grande interesse, mais a mais encontrava-me na época embrenhada numa investigação sobre coleccionismo, antiquariato e mercado de arte em Portugal. Mas aquele nome, Nevada Hayes, permaneceu bem arrumado numa gaveta do meu inconsciente até que um dia deparei com documentação sobre vendas em leilões internacionais de peças, maioritariamente jóias, que tinham pertencido à família real portuguesa. o trabalho de um historiador chega a adquirir contornos detectivescos, seguem-se as pistas que se nos apresentam, que conduzem a outras e a outras e a outras... E estas levaram-me até esta personagem! O estudo que estava a realizar levou a que, no dia 19 de Março de 2013, (…) me convidasse para colaborar com um artigo a integrar o n.º 2 da revista (…) subordinado ao tema Coleccionadores e Colecções, ao qual dei o título A Herdeira Americana da Família Real Portuguesa, onde apresentei documentação inédita, proporcionando, assim, uma visão renovada de alguns aspectos da vida da viúva do duque do Porto.
O dia amanhecera quente. Estávamos a 8 dee Junho de 1908, data que jamais esquecerei. Tinha chegado a Lisboa de comboio vinda directamente de Paris. Passados apenas três dias decidi visitar Sintra. O meu objectivo era, acima de tudo, conhecer a notável Beckford Hill, ou Quinta de Monserrate, como também lhe chamavam, pois talvez conseguisse ali encontrar Tennie C., petit nom de Tennessee Celeste Claflin, viscondessa de Monserrate, uma famosa minha compatriota, agora viúva e proprietária do local, que todos elogiavam como uma mulher magnífica, mundana e lutadora que inspirou tantas outras. Conheci Tennie C. durante a minha última estada em Inglaterra, no início do ano, em Peamore House, na cidade de Exeter, capital do condado de Devon. numa festa oferecida por sir Trehawke Herbert Kekewich, o qual, anos mais tarde, se veio a revelar um grande amigo. Mas vamos ao que interessa. Tennie C., tal como eu também nasceu no velho e empoeirado Ohio, terra de mineiros, criadores de gado e construtores de caminhos-de-ferro, é uma sufragista, com uma visão fora do comum e tão arrojada para a sua origem rural e conservadora, tendo sido a primeira mulher a abrir uma corretora em Wall Street, cujos lucros serviram, entre outras coisas, para fundar um jornal feminista radical. Criou com a sua irmã, Victoria Woodhull, um movimento de defesa dos direitos das mulheres e chegou a concorrer ao Congresso pelo estado de Nova Iorque, perdendo, é claro! Era ainda muito cedo para se reconhecer o valor de uma mulher... Nunca me considerei uma feminista, mas admito muito esta mulher que alimentava convicções tão controversas para a época, como o serviço militar feminino e a legalização da prostituição, o que resultou num desconforto ou até mesmo medo por parte das feministas americanas.
Acabou por abandonar os Estados Unidos da América, indo viver para Inglaterra, onde conheceu Francis Cook, com quem casou em 1885, um dos três homens mais ricos da Grã-Bretanha, baronete de Cook titulado pela rainha Vitória e 1.º visconde de Monserrate, um título criado em seu favor por Luís I, rei de Portugal. O que vale é que tenho uma belíssima memória, e trago sempre comigo um bloco de notas, ou estaria perdida com tantos títulos, datas e nomes complicados, correndo o risco de cometer muitas gafes sociais...» In Ana Anjos Mântua, A Americana que Queria Ser Rainha de Portugal, Letras & Diálogos, Editorial Presença, Manuscrito, 2017, ISBN 978-989-881-874-4.

Cortesia de L&Diálogos/JDACT