«Em Outubro de 2012, o meu
querido amigo José Alberto Ribeiro, após ter visto um conjunto de documentos de
uma colecção particular, que na altura não estava no âmbito da sua investigação,
lançou-me o desafio de pesquisar e estudar esta personagem, praticamente desconhecida
dos portugueses e terrivelmente malvista pelos que alguma vez ouviram falar
dela, Nevada Hayes (nome pelo qual é mais conhecida), viúva do infante Afonso,
duque do Porto, irmão do rei Carlos I. Assim, numa primeira reacção, não foi um
tema que me tenha despertado grande interesse, mais a mais encontrava-me na
época embrenhada numa investigação sobre coleccionismo, antiquariato e mercado
de arte em Portugal. Mas aquele nome, Nevada Hayes, permaneceu bem arrumado
numa gaveta do meu inconsciente até que um dia deparei com documentação sobre
vendas em leilões internacionais de peças, maioritariamente jóias, que tinham
pertencido à família real portuguesa. o trabalho de um historiador chega a
adquirir contornos detectivescos, seguem-se as pistas que se nos apresentam,
que conduzem a outras e a outras e a outras... E estas levaram-me até esta
personagem! O estudo que estava a realizar levou a que, no dia 19 de Março de
2013, (…) me convidasse para colaborar com um artigo a integrar o n.º 2 da
revista (…) subordinado ao tema Coleccionadores e Colecções, ao qual dei o
título A Herdeira Americana da Família Real Portuguesa, onde apresentei
documentação inédita, proporcionando, assim, uma visão renovada de alguns
aspectos da vida da viúva do duque do Porto.
O dia amanhecera quente.
Estávamos a 8 dee Junho de 1908, data que jamais esquecerei. Tinha chegado a Lisboa
de comboio vinda directamente de Paris. Passados apenas três dias decidi visitar
Sintra. O meu objectivo era, acima de tudo, conhecer a notável Beckford Hill,
ou Quinta de Monserrate, como também lhe chamavam, pois talvez conseguisse ali
encontrar Tennie C., petit nom de Tennessee Celeste Claflin, viscondessa de
Monserrate, uma famosa minha compatriota, agora viúva e proprietária do local,
que todos elogiavam como uma mulher magnífica, mundana e lutadora que inspirou
tantas outras. Conheci Tennie C. durante a minha última estada em Inglaterra, no
início do ano, em Peamore House, na cidade de Exeter, capital do condado de Devon.
numa festa oferecida por sir Trehawke Herbert Kekewich, o qual, anos mais
tarde, se veio a revelar um grande amigo. Mas vamos ao que interessa. Tennie
C., tal como eu também nasceu no velho e empoeirado Ohio, terra de mineiros, criadores
de gado e construtores de caminhos-de-ferro, é uma sufragista, com uma visão
fora do comum e tão arrojada para a sua origem rural e conservadora, tendo sido
a primeira mulher a abrir uma corretora em Wall Street, cujos lucros serviram,
entre outras coisas, para fundar um jornal feminista radical. Criou com a sua irmã,
Victoria Woodhull, um movimento de defesa dos direitos das mulheres e chegou a
concorrer ao Congresso pelo estado de Nova Iorque, perdendo, é claro! Era ainda
muito cedo para se reconhecer o valor de uma mulher... Nunca me considerei uma feminista,
mas admito muito esta mulher que alimentava convicções tão controversas para a
época, como o serviço militar feminino e a legalização da prostituição, o que
resultou num desconforto ou até mesmo medo por parte das feministas americanas.
Acabou por abandonar os Estados
Unidos da América, indo viver para Inglaterra, onde conheceu Francis Cook, com
quem casou em 1885, um dos três homens mais ricos da Grã-Bretanha, baronete de
Cook titulado pela rainha Vitória e 1.º visconde de Monserrate, um título
criado em seu favor por Luís I, rei de Portugal. O que vale é que tenho uma
belíssima memória, e trago sempre comigo um bloco de notas, ou estaria perdida
com tantos títulos, datas e nomes complicados, correndo o risco de cometer muitas
gafes sociais...» In Ana Anjos Mântua, A Americana que Queria Ser Rainha de Portugal,
Letras & Diálogos, Editorial Presença, Manuscrito, 2017, ISBN
978-989-881-874-4.
Cortesia de L&Diálogos/JDACT