«(…) Segundo a maioria dos
estudiosos, as amazonas jamais tinham existido em lugar algum a não ser na
mitologia grega. Quem afirmasse o contrário, no melhor dos casos, era um romântico
incurável. Sim, de facto, era totalmente concebível que o mundo pré-histórico
tivesse sido povoado em parte por guerreiras do sexo feminino, mas os mitos
sobre amazonas sitiando Atenas ou participando da Guerra de Tróia sem dúvida
eram invenções de contadores de histórias na tentativa de fascinar os seus
ouvintes com relatos fantásticos. Eu sempre explicava aos meus alunos que as
amazonas da literatura clássica deviam ser vistas como predecessoras dos
vampiros e zumbis que povoam as estantes de hoje em dia: criaturas imaginárias,
terríveis e sobrenaturais, que tinham por hábito treinar as filhas nas artes da
guerra e acasalar com machos aleatórios uma vez por ano. Ao mesmo tempo,
contudo, essas mulheres selvagens tinham características humanas atraentes o
bastante para despertar as nossas paixões secretas, nem que fosse aos olhos dos
antigos escultores e pintores de vasos. Eu sempre tomava cuidado para não
deixar transparecer os meus próprios sentimentos em relação ao tema;
interessar-se pelo folclore das amazonas já era ruim, mas revelar que
acreditava na existência delas seria pura e simplesmente um suicídio académico.
Assim que o meu chá ficou pronto,
sentei-me para estudar a foto do sr. Ludwig com o auxílio de uma lupa. Tinha
quase certeza de que conseguiria identificar os caracteres inscritos na parede
como pertencentes a algum dos alfabetos antigos mais comuns; quando isso não
aconteceu, permiti-me sentir um leve frisson de animação. Após mais alguns
minutos de investigação atenta e incompreensão crescente, as possibilidades tornaram-se
um arrepio a correr pela minha espinha com a mesma urgência de mensageiros num
campo de batalha. O que mais me intrigou foi a universalidade dos símbolos;
tinham características que tornavam quase impossível vinculá-los a algum lugar
ou período específicos. Eles poderiam ser uma fraude feita naquela parede de
gesso rachado logo antes de a foto ser tirada ou poderiam ter milhares de anos.
Ainda assim..., quanto mais eu os olhava, mais percebia em mim uma estranha sensação
de familiaridade. Era como se em algum lugar, num canto remoto do meu
subconsciente, uma fera adormecida estivesse despertando. Será que eu já tinha
visto aqueles símbolos antes? Caso sim, não conseguia contextualizá-los, o que
me causava grande frustração. Por coincidência, uma amiga de infância, Rebecca,
trabalhava havia três anos num sítio arqueológico em Creta, e eu tinha quase a certeza
de que ela sabia quais organizações estavam escavando onde e em busca de quê.
Com certeza, se alguém tivesse deparado com aquele tipo de inscrição em algum lugar
da região mediterrânea e houvesse estabelecido qualquer vínculo com as
amazonas, a dra. Rebecca Wharton teria sido a primeira a saber.
Desculpe
interromper a sua orgia da meia-noite, falei, quando ela finalmente atendeu o telefone
móvel. Fazia mais de um mês que não nos falávamos e, quando ela deu um muxoxo bem-humorado
do outro lado da linha, percebi quanto sentia saudades dela. Eu reconheceria
aquele riso em qualquer lugar: soava como alguém com ressaca de uísque, mas, no
caso da curiosa Rebecca, era a consequência um tanto prosaica de ter passado o
dia inteiro com a cabeça enfiada em algum buraco cheio de poeira. Estava
pensando em você agorinha mesmo!, exclamou ela. Estou aqui com um coro de
gregos gatos servindo-me uvas e me besuntando de azeite. A imagem fez-me rir. A
probabilidade de a linda Rebecca ter intimidades com qualquer outra coisa que não
fossem fragmentos de cerâmica antiga, infelizmente, era quase nula. Ela era do
estilo rebelde, de viseira e short jeans cortado, ficava o dia todo de quatro
no meio de um formigueiro de arqueólogos..., mas não tinha olhos para nada além
do passado. Embora fosse do tipo que se vangloriava, eu sabia que, por baixo
das sardas, continuava sendo a filha do pároco. Foi por isso que não teve tempo
para me ligar e contar a grande novidade? Um breve farfalhar sugeriu que
Rebecca estava tentando segurar o telefone entre a orelha e o ombro. Que grande
novidade? É isso que me vai dizer. Quem está escavando amazonas aí na sua área?
Ela soltou um de seus gritinhos estridentes de ave selvagem. O quê? Dê uma olhadela.
Inclinei-me para a frente e conferi a imagem na tela do meu computador. Acabei
de lhe mandar uma foto por e-mail». In Anne Fortier, A Irmandade Perdida, 2014, Editora
Arqueiro, 2015, ISBN 978-858-041-543-0.
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