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A
paixão e a demanda de Ísis
Ísis,
a Grande, reinara nas Duas Terras, o Alto e o Baixo Egipto, muito antes
do nascimento das dinastias. Em companhia do seu esposo Osíris, governava com
sabedoria e conhecia uma felicidade perfeita. Até que Set, irmão de Osíris, o
convidou para um banquete. Tratava-se de uma cilada, pois Set estava decidido a
assassinar o rei para ocupar o seu lugar. Utilizando uma técnica original, o assassino
pediu ao irmão que se deitasse num caixão para ver se era do seu tamanho.
Imprudente, Osíris aceitou. Set e os seus acólitos pregaram a tampa e lançaram
o sarcófago ao Nilo. Os pormenores desta tragédia são conhecidos graças a um
texto de Plutarco, iniciado nos mistérios de Ísis e Osíris; as fontes mais
antigas mencionam apenas a morte trágica de Osíris, cujas desgraças prosseguiram,
pois o seu cadáver foi retalhado. Set convenceu-se de que aniquilara o seu
irmão para sempre. Ísis, a viúva, recusou a morte.
Mas
o que podia ela fazer, além de chorar o marido martirizado? Um projecto insano
nasceu no seu coração: encontrar todos os pedaços do cadáver, reconstituí-lo e,
graças à magia sagrada cujas fórmulas conhecia, restituir-lhe a vida. Assim
começou a busca de Ísis, paciente e obstinada. E quase conseguiu! Todas as
partes do corpo foram reunidas menos uma: o sexo de Osíris, engolido por um
peixe. Desta vez, Ísis tinha de desistir. Mas não desistiu: convocou a irmã
Néftis, cujo nome significa a senhora do templo, e organizou uma vigília
fúnebre. Eu sou a tua irmã bem
amada, disse ela ao reconstituído cadáver de Osíris, não te afastes de mim, clamo por ti! Não
ouves a minha voz? Venho ao teu encontro, e nada me separará! Durante
horas, Ísis e Néftis, de corpo puro, inteiramente depiladas, com perucas encaracoladas,
a boca purificada com natrão (carbonato de soda), pronunciaram encantamentos
numa câmara funerária obscura e perfumada com incenso, Ísis invocou todos os
templos e todas as cidades do país para que se juntassem à sua dor e fizessem a
alma de Osíris regressar do Além. A viúva tomou o cadáver nos braços, o seu
coração bateu de amor por ele e murmurou-lhe ao ouvido: tu, que amas a vida, não caminhes nas trevas. O cadáver, desgraçadamente,
permaneceu inerte. Ísis transformou-se então num milhafre fêmea, bateu as asas
para restituir o sopro da vida ao defunto e pousou no sítio do desaparecido
sexo de Osíris, que fez reaparecer por magia.
Desempenhei o papel de homem, afirma ela, embora seja mulher. As
portas da morte abriram-se diante de Ísis, que conheceu o segredo fundamental,
a ressurreição, agindo como nenhuma deusa o fizera antes: ela, a quem chamavam a
Venerável, nascida da Luz, saída da pupila de Hator (o princípio criador),
conseguiu fazer regressar aquele que parecia ter partido para sempre e ser
fecundada por ele. Assim foi concebido o seu filho Hórus, nascido da impossível
união da vida e da morte. Um acontecimento importante, porque este Hórus, filho
do mistério supremo, foi chamado a ocupar o trono do pai, doravante monarca do
Além e do mundo subterrâneo. Set não se deu por vencido. Só havia uma solução: matar
Hórus. Ciente do perigo, Ísis guardou o filho entre os papiros do Delta. Não
faltaram perigos a enfermidade, as serpentes, os escorpiões, o assassino que
ronda..., mas Ísis, a Maga,
conseguiu preservar o seu filho Hórus de todas as desgraças. Set não
admitiu o seu fracasso e contestou a legitimidade de Hórus, que era no entanto sobrenatural,
convocando então o tribunal das divindades a fim de conseguir a condenação do
herdeiro de Osíris. Como o tribunal se reuniu numa ilha, Set usou o seu engenho
para que uma decisão iníqua fosse adoptada: o barqueiro devia impedir as
mulheres de entrarem na sua barcaça, e assim Ísis não poderia defender a sua
causa. Mas iria a viúva desistir ao cabo de tantas provações? Por conseguinte,
convenceu o barqueiro oferecendo- lhe um anel de ouro; apresentou-se diante do
tribunal, venceu a má fé e os argumentos especiosos e fez aclamar Hórus como
faraó legítimo». In Christian Jacq, As Egípcias, Edições ASA, 2002,
ISBN-978-972-413-062-0.
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