quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Novas Cartas Portuguesas. Maria Barreno, Maria Horta, Maria Costa, (As Três Marias). «Imersa a porcelana que se afaga composta a anca a romper ao tacto deserta a pele porque se desata o sobressalto rente que se apaga»

jdact

Novas Cartas Portuguesas. Ou de como Maina Mendes pôs ambas as mãos sobre o corpo e deu um pontapé no cu dos outros legítimos superiores

(…)
Isabel
«Estás não sei
se atenta
se perdida
tu de rosto ou mastro
posto ao vento
vidro secular
que há muito tempo
trazes recato de vencida.

Da correcção no rosto
tens as linhas
e o rigor claro que se traça
enquanto calas isabel
e fias
na voz os dias como quem disfarça
Imersa a porcelana que se afaga
composta a anca a romper ao tacto
deserta a pele porque
se desata
o sobressalto rente
que se apaga
De posse não
que estranhas a rudeza
da mão alheia
que te quer e galga
A pedra acesa tu
de framboesa
pedra talhada de firmeza e calma
Porque já cruel reconheces
tu isabel a morte das palavras
e nem por elas estejas
talvez presa
Não sei se frágil
se frutos
e de tudo
o que dizes:
quero e não desfruto
te seja o mar inteiro que o corpo encerra»
12/03/1971

«Te encerras Isabel
na transparência secular da pedra
voluta de cabelos e volátil
de ti
como quem erra
Escasso corpo possuis
e pedes nas palavras que mordes
como frutos de fome
que te ardem
E assim isabel tens
de ti
um convexo mar como passagem
(mulher que não se usa
ao trato de uma casa)
clausura aprazada
que recusas
em cartas de nós sem ter mensagem».
13/03/1971

Senhora
«Senhora, o que te faz tão franzida
Tão refeita
Tão suspeita?
Quem escolhe a mansa vida
Verá bem o que rejeita.
Vai e traz-me um cabelo
Dum dragão enamorado
Pois se me falas de amor
Quero vê-lo feito e provado.
À volta dar-te-ei guarida
Sentar-te-ei a meu lado.

Senhora, o que te traz tão sujeita
Tão faltosa
Suspirosa?
Quem fia, borda e ajeita
Murcha cedo como a rosa
Não tem ciência nem prosa
Não sabe o nome que aceita.
Vai roubar o setestrelo
A um deus mau e zangado
Pois se me dizes saber
Quero prová-lo, e habitado.
À volta dar-te-ei suspeita
De que não estás do meu lado.
Senhora, o que te jaz tão famosa
Tão ausente
Tão pungente?
Quem escolhe, parte e rejeita.
Quem parte, vai e não colhe.
Quem vai, faz e não ama.
Quem faz, fala e não sente.
São teus olhos os sujeitos
São de granito os meus peitos.
Quem fia, borda e ajeita,
Quem espera, fica e não escolhe,
Quem cala, quieta na cama,
Sou eu, deitada a sentir
Tua roda de fugir
Tua cabeça em meu ventre».
11/03/1971

In Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta, Maria Velho Costa, Novas Cartas Portuguesas, 1972, edição anotada, Publicações dom Quixote, 1998, 2010, ISBN 978-972-204-011-2.

Cortesia PdQuixote/JDACT