Castelo
de Lucretili. Junho de 1453
«(…) Essas pessoas estavam sob o seu
comando. Queriam vê-la à cabeceira da mesa, queriam vê-la entrar no salão.
Mesmo que os seus olhos estivessem vermelhos por chorar a perda do amado pai,
esperavam que ela jantasse com eles, o próprio pai esperaria isso dela. Isolde
não os decepcionaria. Fez-se um silêncio repentino quando ela entrou no salão
onde os criados estavam sentados em mesas de armar, conversando em voz baixa e esperando
o jantar ser servido. Mais de duzentos homens de armas, criados e cavalariços
enchiam o salão, e a fumaça do fogo central subia em espiral preenchendo o
espaço até às vigas enegrecidas do tecto alto. Assim que os homens viram Isolde,
seguida por três mulheres da sua criadagem pessoal, levantaram-se e retiraram o
chapéu, fazendo uma reverência em homenagem à filha do falecido lorde de
Lucretili e herdeira do castelo.
Isolde vestia o azul-escuro do
luto: um chapéu cónico alto coberto de renda índigo escondia o cabelo claro, um
inestimável cinto de ouro árabe cingia com firmeza a cintura alta do vestido, e
as chaves do castelo se penduravam numa corrente de ouro lateral. Atrás dela,
vinham as damas de companhia, lideradas por Ishraq, uma amiga de infância, com
uma vestimenta moura, uma longa túnica por cima de pantalonas largas e um véu
comprido sobre a cabeça, cobrindo o rosto de leve, de forma que apenas os olhos
escuros ficassem visíveis quando ela fitava o salão. Outras duas mulheres a
seguiam e, enquanto a criadagem murmurava bênçãos a Isolde, as mulheres tomaram
seus lugares à mesa das senhoras, ao lado do tablado elevado. Isolde subiu os
degraus baixos até à grande mesa e sobressaltou-se ao ver o irmão sentado na
cadeira de madeira, grandiosa como um trono, que fora o lugar do pai. Sabia que
devia ter previsto que ele estaria ali, assim como ele sabia que ela herdaria o
castelo e assumiria aquele lugar à mesa assim que o testamento fosse lido. Mas,
entorpecida pelo luto, não tinha pensado que, de agora em diante, sempre veria
o irmão onde o pai deveria estar. O sentimento era tão novo que ainda não
conseguira absorver o facto de que nunca mais veria o pai.
Giorgio lhe sorriu com brandura e
gesticulou para que ela se sentasse a sua direita, o lado do pai em que ela
costumava ficar. Deve lembrar-se do príncipe Roberto. Giorgio indicou um homem
sentado à sua esquerda. Era corpulento, tinha o rosto redondo e húmido de suor,
e levantou-se, contornando a mesa para fazer uma reverência. Isolde estendeu a
mão ao príncipe e olhou para o irmão com um olhar questionador. Ele veio em
solidariedade à nossa perda. O príncipe beijou a sua mão, e Isolde tentou não
se retrair com o toque molhado daqueles lábios. Ele a encarava como se quisesse
sussurrar-lhe algo, como se pudessem compartilhar um segredo. Isolde retirou a
mão e se curvou para falar no ouvido do irmão. Estou surpresa que tenha
convidado alguém para o jantar apenas um dia após o falecimento de meu pai.
Foi
gentileza dele vir tão depressa, respondeu Giorgio, acenando aos criados que
andavam pelo salão carregando nos ombros bandejas cheias de carne de caça, boi
e peixe, grandes fatias de pão e jarros de vinho e de cerveja. O sacerdote do
castelo entoou as graças, e os servos baixaram as bandejas de comida. Os homens
retiraram as adagas dos cintos e das botas para cortar nacos de carne, e
empilharam fatias grossas de pão marrom com peixe escaldado e cervo cozido. Isolde
achou difícil jantar no salão como se nada tivesse mudado enquanto o pai jazia no
seu velório, guardado na capela pelos homens de armas, e seria enterrado no dia
seguinte». In Philippa Gregory, O Substituto, 2012, Editora Galera Record,
colecção Ordem da Escuridão, 2015, ISBN 978-850-140-319-3.
Cortesia
de EGRecord/JDACT