segunda-feira, 27 de julho de 2020

A Conspiração do Graal. Lynn Sholes e Joe Moore. «Quando voltasse para os Estados Unidos, passaria um bom período de folga na Flórida. Isso era uma promessa…»

jdact e cortesia de wikipedia

«O príncipe das trevas é um cavalheiro». In Shakespeare

Abandonada. Ninive, norte do Iraque
«(…) As coisas estão-se tornando imprevisíveis. Tire o seu lindo traseiro daí do jeito que puder. E quero conversar com você logo que chegar. Fui claro? Ela tentou discutir com ele e conseguir mais tempo, mas ele desligou antes que ela pudesse apresentar as suas razões. Quando voltasse, ele faria com que ela se cansasse de ouvir os seus eu bem que avisei, devia demiti-la, até não poder mais. Isso se conseguisse voltar. Cotten arrepiou-se. Estava encalhada, e congelando, no meio do deserto iraquiano.

Charles Sinclair olhou da janela do escritório para o campus que se descortinava ao redor dos laboratórios da BioGentec vizinho à University of New Orleans. O azul do lago Pontchartrain estendia-se à sua frente. Ele observou o pequeno exército de jardineiros com as suas ceifadeiras e os carrinhos de apoio dos jogadores de golfe que cruzavam o relvado entre os jardins, todos impecavelmente aparados e em perfeita ordem. Ele gostava de tudo em perfeita ordem. O telefone tocou sobre a escrivaninha e ele teve um sobressalto, espirrando algumas gotas do café descafeinado sobre o tapete persa. Sim? Doutor Sinclair, uma ligação internacional na linha oito para o senhor, informou a voz da secretária. Sinclair apertou o botão piscante. Não atenderia essa ligação no viva-voz. Fala Sinclair.  O ruído da ligação o aborreceu enquanto apertava o fone firmemente contra a orelha. Descobrimos a entrada da cripta anteontem, informou uma voz de homem do outro lado da linha. Hoje, no final da tarde, ela foi aberta. Os nós dos dedos de Sinclair ficaram lívidos de tanto que ele apertou o receptor do telefone. Ahmed, espero que tenha boas notícias. Fez uma pausa. Tenho, sim. Está tudo como o Archer previu. O que vocês encontraram? Muitos artefactos com os ossos, prosseguiu Ahmed. Uma armadura, quinquilharias religiosas, alguns rolos de pergaminho e uma caixa.
A adrenalina fluiu pelo corpo de Sinclair fazendo as pontas dos dedos latejarem. Como é essa caixa? Preta, sem inscrições, com uns quinze centímetros de cada lado. A transpiração humedecia o colarinho branco da camisa cara de Sinclair. O intervalo da conversa foi preenchido pela estática antes que voltasse a falar. E o que há dentro dela? Ainda não sei. Como assim? Você estava lá, não estava? Archer não a abriu. Ele e os outros estão fazendo as malas para ir embora neste exacto momento. Devemos sair daqui..., a área ficou perigosa demais. Todos estão muito nervosos. Não há tempo para examinar... Não! Sinclair apertou a base do nariz. Você vai lá agora mesmo e pega a caixa. Espero que Archer tenha mostrado como abri-la. Volte a me ligar assim que confirmar o que há dentro dela e estiver com ela em segurança nas suas mãos. Entendeu o que eu disse? Entendi. A voz de Ahmed sumiu em meio à estática. Ahmed, prosseguiu Sinclair, mantendo a voz baixa e controlada, é imprescindível que conclua a sua missão. Não preciso repetir isso outra vez. Entendi. Sinclair desligou o telefone e ficou olhando para o aparelho. O árabe não poderia nem sequer começar a entender.

A Cripta
De repente, o ruído de um veículo se aproximando chamou a atenção de Cotten. A luz dos faróis boiou à distância na estrada irregular. Até que enfim, ela pensou. Mas, e se fossem soldados iraquianos? Ela se virou sobre o ombro empoeirado e sentiu a palpitação na garganta. Finalmente, quando o veículo se aproximou o bastante, deduziu pelas luzes da cabine e da carroceria que se tratava de um caminhão-tanque. Adiantou-se alguns passos, acenando freneticamente com as mãos, mas o veículo não diminuiu a marcha. Protegendo os olhos da areia e do cascalho levantados quando o caminhão passou rugindo a toda velocidade, Cotten observou-o distanciar-se com a mesma rapidez com que havia surgido. Provavelmente, não era muito sensato ficar acenando na estrada para qualquer um que passasse. Sem falar do estado de espírito de qualquer iraquiano naquele momento. O mais seguro para ela seria ficar fora das vistas e manter a distância necessária até o dia amanhecer. Depois de uma hora de caminhada, Cotten deixou as bolsas caírem pesadamente no chão e sentou-se sobre uma delas. Os braços doíam com o peso da bagagem e o corpo tremia cada vez mais por causa do frio que se infiltrava pelo casaco. Quando voltasse para os Estados Unidos, passaria um bom período de folga na Flórida. Isso era uma promessa. Cotten esvaziou uma das sacolas, jogando fora tudo o que não lhe faria falta. Enquanto organizava os pertences, imaginou-se ir para o Iraque: tinha sido uma ideia inteligente. Talvez tivesse sido uma tolice. Não tinha pensado direito no assunto, e então, quando Casselman protestou, ela manifestou uma das suas atitudes triunfantes. Poderia ter assumido outras reportagens, de igual importância, que também a levariam para longe de Thornton.
Droga, droga, droga, gemeu, separando apenas o essencial: carteira, passaporte e credenciais de jornalista, juntamente com a câmera fotográfica, lentes, filmes e a embalagem plástica de filme com o dinheiro para uma emergência. Guardou tudo na outra sacola com as videocassetes. Depois de uma última olhada por sobre o ombro para a pilha de pertences deixados para trás, retomou a penosa caminhada. A Lua surgiu e clareou o deserto com luz suficiente para que continuasse enxergando a estrada. Ela desejou o conforto do sofá de casa, uma xícara de café quente ou, melhor ainda, uma dose de vodka com algumas pedras de gelo. De repente, parou e piscou várias vezes, para se certificar de que o que via não era uma miragem. Outras luzes faiscavam à distância. Não de veículos, mas de algum tipo de assentamento ou acampamento com electricidade. Deixando a sacola no chão, esfregou o ombro e o braço dolorido para reanimar a circulação. Pegou a câmera fotográfica, ajustou as lentes da teleobjetiva e focalizou as luzes. Se fosse um acampamento da Guarda Republicana ou até mesmo de soldados do Exército iraquiano, uma mulher americana viajando sozinha teria poucas chances. Alguns dos colegas dela em Bagdad contavam histórias de brutalidade, violação..., homens que se comportavam como animais, como cães ferozes». In Lynn Sholes e Joe Moore, A Conspiração do Graal, 2005, Clube do Autor, 2020, ISBN 978-989-724-534-3.

Cortesia de CdoAutor/JDACT