Cortesia
de wikipedia e jdact
«O
salão estava cheio e a festa, animada. Os pares dançavam alegremente ao som da
música agradável. Tudo estava impecável. Maria Alice olhava satisfeita, atenta
aos convidados, observando todos os detalhes para que nada faltasse. Com classe
e finura, deslizava entre eles, dando uma palavra aqui, um sorriso ali, segura
de seu charme, certa de sua beleza. Mulher habituada ao brilho dos salões, sabia
como receber com luxo e distinção. Seu marido, António Almeida Resende, rico e
de importante família do Rio de Janeiro, militava activamente na política,
tendo sido eleito deputado federal. Costumava reunir na sua casa pessoas
famosas, artistas no ápice da fama, políticos, empresários, a classe A. Os
convites das suas recepções eram muito disputados e todos consideravam uma
honra comparecer a uma das suas festas. Tanto Maria Alice quanto o marido e
seus dois filhos, Lanira e Daniel, apareciam constantemente nas colunas sociais
das revistas da moda. Lanira, dezanove anos, corpo bem feito, tez morena,
cabelos castanhos, olhos negros grandes e brilhantes, sempre elegante e vestida
na última moda, chamava atenção por onde passava. Voluntariosa, habituada a ser
servida e valorizada, não se relacionava com facilidade. Educada, tinha muitos
conhecidos, mas seria difícil encontrar alguém que privasse de sua intimidade.
Daniel, vinte e dois anos, alto,
mais claro do que a irmã, cabelos castanhos e ondulados que o sol descoloria
ainda mais colocando neles reflexos dourados. Elegante, afável e cordato, tinha
muitos amigos, acabara de se doutorar em Direito. O pai sonhava introduzi-lo na
política. Daniel tinha todas as qualidades para isso. Simpático, amável, aparência
bondosa e principalmente uma perspicácia que muitas vezes o surpreendia. Mas,
apesar de sua insistência, Daniel não se decidira. Tenho outros planos, dizia
quando o pai tocava no assunto. Nada pode ser melhor do que servir ao país!,
argumentava ele convicto. Terá o apoio do nosso partido e obterá vitória fácil.
Ê uma profissão honrosa e rendosa. Não pode haver caminho melhor! Não penso
assim. Vive preso a compromissos com os homens do partido, com o povo, com o
governo, com as organizações. Não pretendo escravizar-me dessa forma. Sou livre
e quero fazer o que gosto. Neste mundo não se pode fazer só o que se gosta!
Cedo descobrirá que está errado. Para progredir terá que transigir. Não há
outra maneira de vencer. Daniel olhou-o pensativo e nos seus olhos havia uma
expressão indefinível ao dizer: a vida não é só o que parece estabelecido. Há
diferentes caminhos para se chegar ao que se quer. Pretendo encontrar o mais
curto. António meneou a cabeça negativamente: arroubos da mocidade, meu filho!
Escute o que eu digo. Tenho experiência. Se quer o caminho mais curto, entre
para a política. Terá fama, respeito, dinheiro, tudo. Ele riu e não respondeu.
Seu pai era um vencedor, respeitado, rico, bem-visto na sociedade, mas ele não
concordava com suas ideias. Desde muito jovem observava a vida familiar e
embora se relacionasse bem com o resto da família, respeitando seus pontos de
vista, sentia que seus valores eram diferentes.
Quando os comentários em casa
corriam soltos sobre as últimas fofocas sociais, quem aparecera mais em
sociedade, quem estava decadente ou quem liderava neste ou naquele sector,
Daniel entediava-se. Não sentia nenhum interesse por essas futilidades. Não
dava nenhuma importância aos sobrenomes, às posições ou aos poderes das
pessoas. Gostava da espontaneidade, olhava as pessoas apreciando os seus
aspectos de personalidade, valorizando-as pelas qualidades que descobria ou
pelo brilho da sua inteligência. Quando seus pais reclamavam porque ele não
participava das conversas familiares, ele explicava: vocês criticam todos!
Enxergam somente os defeitos. E as qualidades? Que qualidades?, dizia Maria
Alice irónica. Todas as pessoas têm qualidades, mãe. Nem sempre estão à vista. É
preciso descobri-las. António não concordava: isso é loucura. É ingénuo. Se
continuar pensando assim, vai dar-se mal. As pessoas são cheias de defeitos e
fraquezas. Pobre de quem confiar no ser humano! Ninguém é perfeito, sabe disso.
E preciso estar prevenido para se precaver contra a maldade dos outros. Pensando
assim nunca vai encontrar pessoas que poderiam ser seus verdadeiros amigos. Tenho
muitos amigos». In Zibia Gasparetto, O Advogado de Deus, 1999, Edições Dinalivro,
2005, ISBN 978-858-587-257-1.
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