Cortesia
de wikipedia e jdact
«Estudo apresentado em Setembro
de 1997 ao seminário A nobreza medieval portuguesa: parentesco, identidade e
poder».
«(…) Na verdade, o testamento paterno
estabelecia que os infantes só recebessem a sua respectiva parte quando habeant roboram. Fernando
atinge os 14 anos em 1232, ano da conquista de Serpa, exige o que lhe é devido
e é então que o seu irmão estabelece tal acordo: concede-lhe o senhorio daquela
terra a par de uma certa quantia em dinheiro, em troca da renúncia àqueles
bens. Homem muito activo mas com fraca capacidade de gestão, pouca atenção
parece ter dado à sua terra. Estabelecida aqui a sua residência, é provável que
nos primeiros anos daqui tenha partido com a sua mesnada em correrias contra os
muçulmanos, podendo até ter participado nas tomadas de Beja, Aljustrel e
Alvito, entre 1232-1234. É também verdade que mostra alguma preocupação em se
enquadrar nas redes de poder que se iam tecendo na região: em 1235 envia uma
carta ao seu homónimo Fernando, bispo de Évora, submetendo à sua jurisdição o castelhim meum de Serpa, e
declarando o mesmo bispo patri meo
spirituali fidelis filius, entregando-se à sua vassalidade. Mas
a estabilidade que as tarefas de gestão patrimonial exigiam, sobretudo numa
região tão instável e pobre como era a de fronteira, era avessa a um
protagonismo político que desde cedo começa a afirmar. Por volta dos anos de
1236-1237 já se encontra envolvido em graves conflitos que ocorreram em algumas
regiões do país, depois as viagens a Roma e Castela, que são os percursos de um
atribulado itinerário que termina em deambulações e guerrilhas lá para as
terras altas da Beira. Talvez, e em parte como consequência de tudo isto, numa
carta de 16 de Outubro de 1273 Afonso III ordenava ao alcaide, juízes e
tabelião de Évora que inquirissem sobre as presúrias que tinham sido realizadas
desque Serpa fora filhada a Mouros aca
ordenando que, a partir daquela data, passem a ser os sesmeiros indigitados
pelo concelho a organizar e controlar essas acções populares conducentes à
repartição e amanho das terras. Parece, portanto, que o infante, com outros
objectivos em mente, pouco cuidado pôs no ordenamento jurídico e administrativo
daquele espaço que era o seu, deixando-o à livre iniciativa dos pressores.
Perdeu, porém, a oportunidade de criar um poderoso senhorio, enquanto espaço
politicamente definido e autónomo, tendo em conta a favorável posição geográfica
em que se encontrava, um enclave duplamente fronteiriço, com Castela e com o
Islão, o que lhe permitiria ter estabelecido pactos e alianças, o que lhe teria
dado a possibilidade de participar directamente na Reconquista e engrandecer-se com os réditos,
territoriais e móveis, que daí poderia ter usufruído. Tal como o senhorio que, mais
tarde, o infante Afonso, segundo filho de Afonso III, tentou criar na zona de
Portalegre, em 1271.
Mas as suas preocupações eram,
decerto, outras, os seus olhos de homem da guerra viravam-se para outros
horizontes. Horizontes políticos, não espaciais, pois na verdade a estratégica
posição de fronteira em que se encontrava proporcionava-lhe muito espaço de
actuação, se fosse essa a sua vontade. Ao mesmo tempo que limitava a sua ambição,
pois aí estava reduzido a pequeno senhor rodeado de outros maiores, quer fossem
os bispos das dioceses quer fossem mestres e comendatários das ordens
militares. É assim que, por sua própria iniciativa ou por alguém que o impele a
isso, Fernando começa a intervir, de uma forma especialmente brutal, na então
conflituosa vida política do Reino. O seu comportamento aparece, neste
contexto, como o reflexo das profundas mutações sociais e políticas da primeira
metade do século XIII, que atingem o seu ponto crítico no reinado de Sancho II,
levando, inclusivé, ao seu afastamento do governo, porque leyxou de fazer justiça, e a uma guerra civil que
divide os grandes do país.
Sobre a intervenção do infante
neste processo, os informes que nos chegaram provêm exclusivamente do olhar da
Igreja, particularmente lesada pelas violências que contra ela foram exercidas:
são as numerosas bulas que Ugolino de Óstia, o papa Gregório IX, emitiu, em
curto espaço de tempo, sobre o assunto, umas dirigidas aos prelados portugueses
e peninsulares, outras ao próprio infante, através das quais podemos tentar
delinear os seus projectos e ambições, os seus apoios e as consequências da sua
actuação. Apesar de ser um único ponto de vista apenas, o clerical.
Um atrito entre o infante
Fernando e Mestre Vicente, bispo da Guarda, levou-o a provocar uma série de
tumultos na diocese egitaniense em 1236 ou 1237. É deste último ano, de 29 de
Abril, a bula Laerimabilem siquidem
Venerabilis fralris, que Gregório IX envia ao arcebispo de
Toledo e ao bispo de Leão, incumbindo-os de excomungarem o infante e os seus
cúmplices e de lançarem o interdito eclesiástico em todos os lugares onde eles
estacionarem, devido às atrocidades que, com audacia delinquendi, cometeram contra as igrejas e prelados
de Portugal, dissipando os bens que o bispo e família possuíam em Lisboa e na
Guarda e matando vários clérigos em Santarém, entre os quais se contavam alguns
que eram scriptores Régis.
Os atentados perpetrados pelo infante Fernando contra a igreja e os seus
membros foram bem mais graves: além das sanguinolentas perseguições movidas contra
a parentela de João Rolis, deão da Sé de Lisboa, teria ainda roubado aos seus
familiares, entre outros bens, grandes porções de trigo, cevada e vinho e
executado destruições várias, actos em que se teriam envolvido também, grande
sacrilégio, alguns muçulmanos a soldo do infante. Não se fica por aqui». In Armando
S. Pereira, O Infante D. Fernando de Portugal, Senhor de Serpa (1218-1246) História
da Vida e da Morte de um Cavaleiro Andante, LUSITÂNIA SACRA, 2ª série, 10 (1998), Wikipédia.
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