«(…) Você vive rodeado de pessoas
conhecidas nas quais não confia e critica pelas costas. Amigo, para mim, é
outra coisa. Agora você está sendo radical. Claro que tenho amigos! Mas sei até
onde posso ir com cada um deles. São seres humanos, não é, pai? Isso mesmo. Um
dia verá que tenho razão. Daniel sorria e não argumentava. De que adiantaria?
Ele não era ingénuo como seu pai dizia. Tinha perspicácia para perceber as
fraquezas e os limites de cada um, mas por causa disso não era insensível a
ponto de ignorar as suas qualidades. Pensava que era mais produtivo incentivar
essas qualidades do que ficar criticando e mostrando as falhas. Na
adolescência, sempre que alguém criticava uma falha sua, sentia revolta e
rancor. Não errava de propósito, mas por não saber fazer melhor. Sentia que as
críticas não o ajudavam em nada, davam-lhe apenas uma visão de incapacidade que
se ele aceitasse acabaria por incapacitá-lo ainda mais. Maria Alice
preocupava-se com as ideias do filho, ao que António respondia: ele é jovem.
Isso passa. Vai amadurecer com o tempo. Não sei, não. Às vezes ele me parece
tão ingénuo... Não enxerga a maldade. Relaciona-se com qualquer um. Não
valoriza nossa classe social. Tem a boa-fé dos moços. O que acha que ele vai
encontrar relacionando-se com gente sem cultura ou boa educação? É inteligente.
Vai descobrir que o nível de cada um é muito importante. Então, mudará, chegará
onde nós estamos. Não se deve preocupar. Maria Alice dirigiu-se à porta
principal. Um importante empresário acabava de chegar com a esposa. Ostentando o
seu melhor sorriso, foi recebê-los.
Eram amigos há vários anos. Ele
era um engenheiro especializado em construção naval. Sua empresa construía
navios não só para companhias mercantes como para a marinha brasileira. Muito
rico, casara-se com a filha de um ilustre fazendeiro de Minas Gerais, juntando
os nomes importantes e as fortunas. Dos três filhos, o mais velho formara-se
engenheiro e trabalhava com o pai. O segundo preferira advocacia e o mais novo
não se decidira quanto à carreira. Mimado pela mãe, que lhe fazia todas as
vontades, gastava o seu tempo desfilando com seu carro último modelo pelas
praias da cidade, empenhando-se em gastar o dinheiro da família. Várias vezes o
pai o advertira a que se moderasse, mas ele sorria e continuava. Ernesto,
inconformado, pressionava a esposa: Angelina, precisa parar de dar tanto
dinheiro a Betinho. Esse menino está abusando! Não estuda, não faz nada! Está
errado! Ao que ela respondia sorrindo: não seja dramático! Ele é muito jovem.
Tem tempo para arcar com as responsabilidades da vida! Maria Alice abraçou
Angelina: como vai, querida? Bem. Que festa linda! Obrigada. E você, Ernesto,
tudo bem? Tudo. Maria Alice passou o braço pelo de Angelina dizendo: passemos
para o salão. António espera-o com ansiedade. Deixando Ernesto em companhia do
marido, Maria Alice conduziu a amiga para um recanto agradável, convidando-a a
sentar-se. Vendo-a acomodada com um copo de vinho entre os dedos e um pratinho
de canapés sobre a mesinha lateral, perguntou: seus filhos virão, Angelina? Uma
festa sem a alegria dos moços não tem brilho. Depois, sei de algumas meninas
que os estão esperando com ansiedade. Angelina sorriu com satisfação. Ver os filhos
serem admirados era a sua melhor recompensa onde quer que fosse. Andrezinho
tinha um compromisso, mas ficou de vir mais tarde. Rubinho estava se preparando
quando saímos, logo estará aqui. Quanto a Betinho, tem a agenda lotada. Não sei
como arranja tantos compromissos. Há sempre alguém esperando por ele em algum
lugar. Ficou de vir, mas sabe Deus a que horas.
Maria Alice via com prazer a
presença dos dois filhos mais velhos de Angelina. Acariciava a ideia de um dia
poder casar a filha com um deles. Quando falava nisso com Lanira, esta
invariavelmente respondia: não penso em casar-me, mãe. Mas, se um dia resolver,
será com um homem de verdade. André é engenheiro e já trabalha. Além do nome
ilustre e de sua grande fortuna, é um moço bonito, fino, elegante. Qualquer moça
desta cidade ficaria feliz com um partido desses! Pois que aproveitem! Ele não é
o meu tipo. E Rubens? Também é formado. Embora esteja no início da carreira, a sua
fortuna e seu nome bastam para que todas as portas lhe sejam abertas. Não tenho
dúvida quanto a seu sucesso! É um moreno atraente, elegante! Não me interessa, mãe.
Quando eu quiser namorar, posso arranjar eu mesma um pretendente. Não precisa
dar-se a esse trabalho. Apesar das evasivas da filha, Maria Alice não
desanimava. Os moços eram atraentes e ela acreditava que um dia, quando Lanira
estivesse mais amadurecida, perceberia isso. — A qualquer hora serão bem-vindos,
respondeu Maria Alice educadamente. E Daniel? Não o estou vendo. Deve estar com
os amigos no jardim. Adora conversar. Já os meus preferem dançar. Já notei. Aliás
eles dançam divinamente. Na outra sala, distanciados do ruído da festa, António
e Ernesto conversavam animadamente. Precisamos unir nossos esforços, dizia António
com entusiasmo. As eleições se aproximam. Você pode fazer muito pelo nosso
partido». In Zibia Gasparetto, O Advogado de Deus, 1999,
Edições Dinalivro, 2005, ISBN 978-858-587-257-1.
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