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Arte de amar; galãs e galantins. Libertinagem
não é amor
«Chegado à idade dos cinquenta,
ainda não renunciei ao amor. Sei muito bem onde estou e é por isso mesmo que me
decido a falar antes do ano que vem, que me carregará mais um pouco, quanto basta
para ter menos direito de o fazer. As pessoas de idade não estão aptas a versar
semelhante matéria; devem ocupar-se com as coisas do outro mundo de preferência
a coisas terrenas, sustentara moços impertinentes. É bem verdade,
Todavia:
L'amour qui nous attache aux beautés
éterneiles
N'étouffe pas en nous l'amour des
temporelles.
O homem, emquanto homem, é incapaz
de desembaraçar-se desta paixão; vive, tem de amar; vive porque ama. Certo que o
amor, nos velhos, é susceptível de derivantes para as riquezas, as honrarias, as
dignidades. Simplesmente tudo isto, perfeitamente cómodo e cobiçável, pouco é na
vida. Francisco Solano, secretário de embaixada em Portugal, ao tempo de Pedro II,
e que foi das minhas relações em Viena, onde vivia ainda em 1744, tinha setenta
e cinco anos e comportava-se como um rapaz de vinte. Seu bel-prazer era falar de
amor e de namoros e cultivar a galantaria. Ninguém lhe dissesse que o amor se
cifrava numa fonte de dissabores. A moral, que lhe era própria, ditava-lhe precisamente
o contrário; daí o seu conselho aos rapazes:
Soyez toujours amoureux;
C’est le moyen d'être heureux.
O conde Copola, que seguia o
partido de Carlos III, emquanto Solano estava ao serviço do imperador Carlos
VI, declamou um dia diante dele:
La vieillesse affaiblil le soldal
et l’amant,
La jeunesse en tous deux triomphe
également,
Tons deux sont sans honneur quand
ils sont sans courage.
Tanto bastou para Solano, sentindo-se
melindrado em seus brios, romper as relações com o conde. Luiz da Cunha, que representou
Portugal no Congresso de Utrecht e foi ministro plenipotenciário em Londres, na
Haia e em Paris, onde faleceu no ano de 1750, amou até à última. As suas
aventuras foram muito faladas em toda a Europa, mormente em Paris onde estadeou
como amante madame Salvador, dama de origem israelita, com farta parentela em Inglaterra
e Holanda, ia êle nos oitenta anos. Esta paixão prejudicou muito o seu nome, porque
a França é o país do bom senso.
Tive ocasião de conhecer Luiz da Cunha
na Haia, à volta de 1734, e mesmo de cear na companhia dele e da amante. O seu carácter
e o seu temperamento amoroso foram-me assim desvendados. A arte de ser feliz está
em amar, dizia-me êle. A melhor página da vida escreve-a a paixão, com os seus
tormentos, dúvidas e desesperos. Prazeres onde não entre o amor são uma sensaboria.
Madame Salvador, ainda mais espirituosa que bela, cantava às vezes, bem embora a
sua voz não lhe valesse as honras de cantarina, uma canção que êle muito apreciava:
Que peut-on mieux faire
Qu'aimer et que plaire?
C’est un soin charmant
Que 1'emploi ã'un amant.
Quelle chaíne,
Qu'un amant preune,
La liberte n'a rien qit soit si doux.
Luiz da Cunha, homem de alta envergadura
como era, tinha o fraco pelas mulheres, e a amante, com duas piruetas e uma ária
de ópera, levava-o aonde muito bem lhe aprouvesse. Luiz Álvares Aguiar,
prebendado de S. Jorge, em Lisboa, foi incorrigível erotómano até o fim da vida.
Desgotoso com cortar relações de amor, que tinham raízes profundas, acicatado
pelo temperamento de fogo, vingou-se em arranjar uma espécie de serralho com tenras
e jovens beldades de que se inculeava o director espiritual, mas de que era em realidade
o incondicional sultão. Todavia, nem por palavras nem por obras se denunciava nele
o luxurioso. A sua reserva quebrava-se apenas com dizer:
O amor é o complemento e compêndio
de todas as leis. Consoante o verbo divino e por sua vera essência pode-se-lhe chamar
também caridade.
E, em verdade, posto amasse de
morte as raparigas bonitas e de boa condição, a sua boca andava cheia do amor de
Deus. Eu próprio o cria inundado desse amor a avaliar pelas grandes obras de caridade
que tão desinteressadamente praticava. Denunciaram-no ao santo tribunal da Inquisição
(maldita) como pervertedor
de donzelas, em despeito dos seus sessenta e cinco anos de idade». In
Cavaleiro de Oliveira, Amor e Amores, 1751, O Galante. Século XVIII, 1900, RB
Rosenthal, Lisboa, Tradução de Aquilino Ribeiro, Imprensa Portugal-Brasil,
Livraria Bertrand, 1900.
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