sábado, 18 de julho de 2020

Gritos do Passado. Camila Läkberg. «Pelo canto do olho, viu algo que lhe chamou a atenção. Vislumbrou um pedaço de pano vermelho atrás de uma rocha, e a curiosidade o venceu. O dragão poderia esperar…»


Cortesia de wikipedia e jdact

«Numa manhã de um Verão particularmente quente, um rapazinho brinca nas rochas em Fjällbacka, o pequeno porto turístico onde decorreu a acção de A Princesa de Gelo, quando se depara com o cadáver de uma mulher. A polícia confirma rapidamente que se tratou de um crime, mas o caso complica-se com a descoberta, no mesmo sítio de dois esqueletos. O inspector Patrick Hedström é encarregado da investigação naquele período estival em que o incidente poderia fazer fugir os turistas, mas, sem testemunhas, sem elementos determinantes, a polícia não pode fazer mais do que esperar os resultados das análises dos serviços especiais. Entretanto, Erica Falk, nas últimas semanas de gravidez, decide ajudar Patrick pesquisando informações na biblioteca local e novas revelações começam a dar forma ao quadro: os esqueletos são certamente de duas jovens desaparecidas há mais de vinte anos, Mona e Siv. Volta assim à ribalta a família Hult, cujo patriarca, Ephraim, magnetizava as multidões acompanhado dos dois filhos, os pequenos Gabriel e Johannes, dotados de poderes curativos. Depois dessa época, e de um estranho suicídio, a família dividiu-se em dois ramos que agora se odeiam». In Sinopse

«O dia começou de forma promissora. Ele se levantou cedo, antes do resto da família, vestiu-se no maior silêncio possível e se esgueirou para fora sem ser percebido. Levava o elmo de cavaleiro e a espada de madeira, que brandia alegre enquanto descia correndo os cem metros que separavam a casa da entrada da Passagem do Rei. Ele se deteve por um instante e contemplou, com assombro, o interior da fenda que percorria as rochas. Os paredões de pedra estavam separados por uns dois metros e erguiam-se uns dez metros rumo ao céu, no qual o sol de Verão começava a levantar-se. Três rochas enormes estavam firmemente encaixadas bem lá no alto, no meio da fenda, oferecendo um espetáculo imponente. Aquele lugar exercia um fascínio mágico num garoto de seis anos. O facto de a Passagem do Rei ser um terreno proibido tornava tudo ainda mais tentador.
O nome originara-se da visita do rei Oscar II a Fjällbacka no final do século XIX, mas isso era algo que ele não sabia e que não lhe importava, enquanto penetrava lentamente nas sombras, com a espada pronta para atacar. O pai lhe contara que as cenas do Desfiladeiro do Inferno, no filme Ronja, a filha do ladrão, tinham sido filmadas dentro da Passagem do Rei. Quando ele assistiu ao filme, sentiu uma comichão no estômago ao ver Mattis, o chefe dos ladrões, cavalgando pela fenda. Às vezes, ele brincava ali de salteador, mas hoje ele era um cavaleiro. Um cavaleiro da távola redonda, como naquele livro grande e colorido que a avó lhe dera de presente de aniversário. Ele se arrastou sobre as rochas que cobriam o chão e preparou-se para atacar com a coragem e a espada o grande dragão cuspidor de fogo. O sol de verão não penetrava na fenda, o que a tornava um lugar frio e escuro. Perfeito para dragões. Logo ele faria o sangue jorrar da garganta do animal, e, depois dos longos espasmos da morte, este cairia morto a seus pés.
Pelo canto do olho, viu algo que lhe chamou a atenção. Vislumbrou um pedaço de pano vermelho atrás de uma rocha, e a curiosidade o venceu. O dragão poderia esperar; talvez houvesse um tesouro escondido ali. Ele pulou sobre a rocha e olhou para baixo, do outro lado. Quase caiu para trás ao fazê-lo, mas, depois de balançar o corpo e agitar os braços, conseguiu equilibrar-se. Mais tarde, ele não admitiria ter-se assustado, mas naquela hora, bem naquele instante, ele ficou mais aterrorizado do que jamais estivera em seus seis anos de vida. Havia uma moça deitada, esperando por ele. Estava deitada de costas, olhando para cima, directo para ele, com olhos bem arregalados. O seu primeiro impulso foi fugir, antes que ela o pegasse brincando ali onde ele não deveria estar. Talvez ela o obrigasse a dizer onde morava e então o arrastasse de volta para a mãe e o pai. Eles ficariam furiosos e, com certeza, perguntariam: quantas vezes já lhe dissemos que não deve ir à Passagem do Rei sem um adulto?» In Camila Läkberg, Gritos do Passado, 2004, Edições Dom Quixote, 2010/2011, ISBN 978-972-204-348-9».

Cortesia de EdomQuixote/JDACT