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Castelo
de Xabier. Novembro do ano de 1027
«(…) A um dos poucos que saíram
armados para lhes fazer frente puseram-lhe uma corda ao pescoço e foi arrastado
por um cavaleiro até cair num dos fogos que os atacantes tinham acendido. Os seus
gritos não se ouviam na torre, mas via-se como gatinhava, desesperado, pela terra,
tentando abafar as chamas que lhe consumiam o corpo. Alguém se apiedou dele e decapitou-o,
para que não continuasse a sofrer em vão. Os restantes, desesperados, procuravam
fugir. Uns em direcção ao bosque e outros rumo à torre. O que se passa, avó? Veste-te!,
exclamou esta, fechando a janela. Rápido! O tecto sobre as suas cabeças retumbou
com abundantes passadas. A avó ergueu o olhar, deviam ser os guardas que corriam
para defender a fortificação. Entre aqueles muros estavam a salvo, mas toda a gente
no exterior, a sua gente… Para eles, era tarde, só Deus podia valer-lhes. Enquanto
Eneca se agasalhava, a avó esfregava as mãos, atemorizada. Olhava para um lado e
para o outro, procurando um consolo que não encontrava. Juntou as pontas dos
dedos à altura do queixo e dirigiu uma prece ao Senhor.
Surpreendentemente, os gritos pararam
e o silêncio apoderou-se de novo da noite. Longe de a tornar mais agradável,
semeou nela uma insuportável incerteza. A mulher entreabriu a janela e assomou ao
exterior os olhos temerosos. Entre o calor das chamas, os atacantes já não perseguiam
os que fugiam, dedicando-se antes à cercar a torre onde elas se abrigavam. Foi
então que algumas fileiras de luzes iluminaram a entrada da aldeia e avançaram
em perfeita formação até se posicionarem frente à fortaleza. O olhar atónito da
idosa não se deu conta do que ia acontecer, não podia imaginar o futuro que as esperava.
Os atacantes pareciam pirilampos numa estranha coordenação de movimentos. Até que,
de súbito, esses pontos de luz se duplicaram e afastaram da terra para sulcar a
noite estrelada, como crias no primeiro e, em última análise, derradeiro voo.
A mulher apressou-se a fechar a janela
e ouviu os gritos de alarme nos pisos superiores. Passados alguns instantes, voltou
a abri-la com precaução e redescobriu os pássaros de fogo a voar contra o cimo da
torre. Assim foi uma e outra vez, num incessante acto cerimonial. Meu Deus!
Estais bem! A mãe de Eneca entrou no quarto entre sufocos, com um rosto embargado
de temor. Sim, fiiha..., respondeu a idosa, fitando-a com pesar. Não conseguirão
detê-los, pois não? Receio que não, mãe. Quanto tempo resistirá o castelo? Virão
socorrer-nos, não é verdade? O rei tem de o fazer, tem de nos ajudar... Não respondeu
e, ao mesmo tempo, esse silêncio foi a pior resposta possível. A mulher foi a correr
espreitar pela janela e as pernas tremeram-lhe ao ver a cena com as dezenas de arqueiros
a disparar sem descanso contra eles. Um brilho no céu demonstrava que já tinham
atingido o telhado e que os cobertos da torre ardiam, presa das labaredas. Apesar
de tudo, não foi isso o que mais assustou a dama. Foi ver uma balista de
desmedido tamanho, postada junto às quadras da aldeia. Puxada por um par de mulas
esporeadas por vários homens, que a guiavam em direcção à porta de acesso à torre
do castelo.
Disse-vos que vinham, que já
estavam aqui, declarou a menina, para assombro da mãe e da avó.
Deus santo... A mulher de cabelos
dourados tremia de medo e mal conseguia articular as palavras que ansiavam por
lhe escapar da garganta. Mãe, temos de pôr a Eneca a salvo, as defesas não resistirão.
O túnel! A avó agarrou Eneca pelo braço. Não podemos... Um estrondo terrível percorreu
toda a torre, os muros tremeram como se fossem desabar e os gritos sobre as suas
cabeças voltaram a retumbar. Corram, filha! Antes que entrem, insistiu a idosa.
Foi a primeira a sair da divisão, enquanto Eneca ia nos braços da mãe, em direcção
às escadas que conduziam ao nível inferior da fortificação. Quando as três desceram,
a porta da entrada estava em chamas e quatro soldados, armados com espadas e escudos,
dispunham-se a repelir os atacantes». In Luis Zueco, O Castelo, 2015, Alma dos
Livros, 2020, ISBN 978-989-899-914-0.
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