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e Cortesia de wikipedia
Templo
Sagrado. Jerusalém
Agosto
de 70 d. C.
«Cabeças
cruzavam o muro do Templo, sibilantes; diversas delas, como um bando de pássaros
desajeitados, com os olhos esbugalhados, boquiabertas, pedaços de carne humana
rolando de onde haviam sido cruelmente arrancadas do pescoço. Algumas caíam no
Pátio das Mulheres, sobre a pavimentação enegrecida pela fuligem, como um
desencontrado ruído de tambores levando as crianças e os anciãos a fugirem
horrorizados. Outras eram lançadas mais à frente, atravessando o Portão de
Nicanor, no Pátio dos Israelitas, onde caíam em volta do grande Altar dos
Holocaustos, como granizos gigantes. Poucas chegavam a alcançar distâncias
ainda maiores, batendo contra os muros e telhados do próprio Mishkan, o Santuário,
bem no coração do Templo, que parecia gemer e ressoar sob o ataque como se
estivesse sofrendo dor física. Miseráveis!, balbuciou o garoto com a voz
embargada; lágrimas de desespero queimando-lhe os olhos azul-safira. Romanos
miseráveis e desprezíveis! De sua vista privilegiada, nas fortificações do
Templo, ele fitava logo abaixo a movimentação da multidão de soldados romanos;
suas armas e armaduras resplandecendo numa ira inflamada. Seus brados
preenchiam a noite, misturando-se com a sibilante catapulta, com as batidas dos
tambores, os gritos dos que estavam para morrer e, envolvendo tudo mais, o
gigantesco e surdo golpe de demolição. Assim, o mundo parecia estar se partindo
lentamente aos olhos do garoto. Tem compaixão de mim, ó Senhor, ele sussurrava, citando os Salmos. Porque estou angustiado; consumidos estão de tristeza
os meus olhos, a minha alma e o meu corpo. Por seis meses o cerco se fechara
sobre a cidade como uma coleira de ferro pronta a estrangulá-la, roubando-lhe a
vida. Da sua base inicial, no Monte Scopus e no Monte das Oliveiras, as legiões
romanas, quatro delas formadas por milhares de soldados auxiliares, moveram-se
inexoravelmente para o interior da cidade, destruindo toda e qualquer linha de
defesa, obrigando os judeus a retrocederem, amontoando-os no centro da cidade.
Inúmeros foram assassinados, trespassados enquanto tentavam rechaçar seus
oponentes, crucificados ao longo dos muros da cidade e por todo o Vale do
Quidron, onde a quantidade de urubus era tão numerosa, que ofuscava o sol. O
odor da morte difundia-se por toda parte, um corrosivo e dominante mau cheiro
que dilacerava as narinas como chamas.
Nove dias antes, a Fortaleza Antónia
havia tombado; seis dias depois de os pátios externos e as colunatas do Templo
terem sido muradas. Agora tudo o que restava era o Templo Interior,
fortificado, onde o que ainda subsistia do antigo orgulho da população da
cidade estava esmagado, seres humanos como peixes num tonel imundos, famintos,
obrigados a se alimentar de ratos e roer tiras de couro, e a beber a sua própria
urina, tamanha era a sua sede. Apesar disso, lutavam furiosa e esperançosamente,
lançando pedras e feixes em chamas sobre os invasores, de vez em quando
investindo com impetuosidade contra os romanos numa tentativa de fazê-los
retroceder para fora dos pátios, tudo isso para, enfim, regressar com ferimentos
ainda mais graves. Os dois irmãos mais velhos do garoto morreram na última
empreitada, golpeados enquanto tentavam derrubar uma máquina de guerra do cerco
romano. Pelo que lhe era sabido, suas cabeças mutiladas estavam entre aquelas arremessadas
de volta ao interior dos muros do Templo. Vivat Titus! Vincet Roma! Viva!
Titus! As vozes dos romanos se espalhavam num urro estrondoso, declarando o
nome do seu general, Tito, filho do imperador Vespasiano. Pela muralha, os
defensores ensaiavam um brado em resposta, evocando os nomes de seus próprios líderes:
João de Giscala e Simão Bar-Giora. Mas o clamor era fraco, pois as suas bocas
estavam ressecadas, e o fôlego, enfraquecido; e, de qualquer maneira, era difícil
dar o sangue por homens que, conforme os rumores, já haviam firmado um acordo
com os romanos para salvar suas próprias vidas. Eles mantiveram o brado por
quase um minuto, e então suas vozes foram diminuindo gradualmente. O garoto
retirou um seixo do bolso de sua túnica e começou a chupá-lo, esforçando-se
para esquecer a sede que sentia. Ele se chamava David e era filho de Judá, o
vinicultor. Antes da grande revolta, a sua família havia cultivado uma vinha
nas colinas fora de Belém: uvas vermelho-rubi que produziam o vinho mais puro e
doce que alguém pudesse provar, como a luz do sol nas manhãs de Primavera, como
a brisa suave na sombra de tamarindeiros. No Verão, o garoto ajudara a colher e
a espremer as uvas, pisando-as, sorrindo com a sensação dos polpudos frutos sob
os seus pés e a maneira como o suco manchava as suas pernas de vermelho-sangue.
Agora prensas de lagar estavam quebradas, os vinhos estragados, e sua família
assassinada, toda ela. Encontrava-se sozinho no mundo. Aos doze anos de idade já
carregava a dor de um homem cinco vezes mais velho. Eles estão voltando!
Preparem-se! Preparem-se!» In Paul Sussman, O Último Segredo do Templo,
2005, Bertrand Editora, 2016, ISBN 978-972-253-056-9.
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