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O
Rei Sancho III
Castelo
de Xabier. Novembro do ano de 1027
«Começou
a respirar com dificuldade, a pulsação acelerou e sentiu uma pressão dolorosa
no peito. Abriu os lábios o máximo que pode para que entrasse mais ar, mas tornava-se
inútil. A penumbra era espessa e fria como a neve da montanha. Ergueu o olhar e
observou em volta, não conseguia ver claramente, porém sabia que algo estava ali.
Então percebeu.
A respiração voltou a serenar, a pressão
desapareceu e foi acalmando o ritmo do seu jovem coração. Por mais estranho que
parecesse, aquilo não lhe causava terror. E, no entanto, sabia que devia senti-lo.
O medo é bom, costumava dizer-lhe o pai. Mantém-te alerta, faz-te avaliar todas
as opções. O medo é o aliado dos valentes e o pior inimigo dos cobardes. A menina
não entendia essas palavras, não compreendia tal sentimento. Via o mal naqueles
olhos vermelhos que a perscrutavam, transbordantes de sangue, e, ainda assim, sustinha-lhe
o olhar. Queria saber, queria entender de onde vinha. Nem sequer se aterrorizou
quando se precipitou sobre ela e…
Eneca! Acorda!
A menina abriu os olhos, mostrando
umas pupilas mais negras do que a própria noite que, àquelas horas, envolvia a torre
do Castelo de Xabier. Encontras-te bem, minha fllha? Estás a suar, estavas a ter
um pesadelo. Mãe!, gritou, abraçando-a com todas as forças, enredando-se nos caracóis
dourados de uma extensa cabeleira. Shhh. Já passou, estás a salvo, disse, tentando
apaziguar o seu medo enquanto lhe acariciava suavemente o cabelo. Não, mãe, não
estamos a salvo, sussurrou a menina, ele vem atrás de nós. De que falas, Eneca?
Eu vi-o, quer apanhar-me. Pequena, foi só um sonho mau. Ninguém te vem fazer mal.
Não tenhas medo, entre estes muros estamos a salvo de qualquer perigo.
Está perto. O que se passa? Uma mulher
mais velha entrou, alterada, no quarto, trazendo uma vela entre as mãos. A Eneca
teve um pesadelo, respondeu a mãe da criança, mas já está melhor, não é verdade?,
A menina não respondeu. Eu fico com ela. Iguazel, vai dormir com o teu marido. A
bela mulher beijou a filha na testa. Eneca tranquilizou-se ao ver a doçura que
transbordava dos olhos cinzentos da mãe, que se levantou da cama e lançou um
olhar cúmplice à recém-chegada. Fitou novamente a filha e despediu-se dela com um
gesto de mão. Fechou a porta ao mesmo tempo que a idosa se acocorava na enxerga
e apagava o pavio da vela. A penumbra voltou, pesada e infinita como antes.
Eneca tornou a sentir a pressão e a dificuldade em respirar. Desta vez, a avó
abraçou-a, mas não era suficiente. Sentiu que o mar regressava e tomava de novo
posse daquela divisão.
Nunca tens pesadelos, Eneca. O que
se passa contigo? Podes contar-me.. Avó, está aqui. Quem? Quem está aqui, Eneca?
Vem buscar-me. Eu vi, aninhou-se contra o peito da idosa, tinha olhos de sangue.
Tens a certeza? Sim, respondeu, com uma firmeza imprópria para a idade. O que é?
Um lobo ou um urso? Não, um monstro. Querida, não existem... A avó calou-se ao ver
como a neta tremia e tinha a pele fria como a neve. Eneca, o que se passa contigo?
Então, a jovem sentiu uma pontada
no meio do peito que a fez agitar-se com tal brusquidão que assustou a idosa,
cujos olhos não podiam esconder o pânico e a angústia que a invadiam. Avó, já chegaram.
Soaram os sinos da igreja, repicavam como levados pelo diabo. Como se o próprio
Lúcifer desse ao badalo com toda a ira. A idosa sentiu um calafrio, aquele som infernal
só podia ter um significado. Aconteça o que acontecer, não contes a ninguém o
que dizes ter visto, avisou-a enquanto se levantava. Está bem? As pessoas odeiam
os que não são como elas, e tu, tu és especial, querida.
 menina assentiu com a cabeça. A
avó correu para a janela, abriu-a e descobriu diante dela uma aldeia em chamas.
Os gritos começaram a rasgar a noite quando vários cavaleiros irromperam pelo
flanco da ponte. O primeiro cortou de um só golpe a garganta da filha do ferreiro.
O segundo ergueu a lâmina da espada sobre a cabeça para a descer com toda a violência
possível contra o peito de outro aldeão, rasgando-lhe a pele e tirando-lhe a vida.
Outro era degolado no chão como um animal. Entretanto, mais dois eram trespassados
por lanças, sem compaixão, mesmo quando jaziam inertes, esvaindo-se em sangue como
animais». In Luis Zueco, O Castelo, 2015, Alma dos Livros, 2020, ISBN
978-989-899-914-0.
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