domingo, 5 de julho de 2020

A Demanda do Santo Graal. Manuscrito do Século XIII. « Não vos pese, disse o rei, que logo estará ocupado, porque por outra razão não fiz vir tanta gente à minha corte, senão para verem as maravilhas»

Cortesia de wikipedia e jdact

Na Corte do rei Artur
«(…) Como os clérigos acharam letreiros em dois assentos. Depois disto, chegaram ao paço e mandaram pôr as mesas. E os clérigos, que se esforçavam por cuidar dos assentos da távola redonda, o que haviam de fazer, andaram de uma parte e da outra. E acharam então que em dois assentos não havia letreiro como antes, senão outro recente. Num assento estava escrito o nome de Erec, e era o assento daquele cavaleiro que fora morto como o conto já referiu. E o outro tinha sido de um cavaleiro da Escócia que tinha nome Dragão, a quem Tristão matara naquela semana diante da Joiosa Guarda, porque aquele Dragão pedira amor à rainha Isolda. Mas isto não relata agora a estória do santo Graal, porque não toca a seu livro, mas a grande estória de dom Tristão o conta no seu livro.

Como Erec e Elaim tiveram os assentos. Quando os clérigos viram os assentos guarnecidos de novos nomes, souberam logo que aqueles a quem haviam pertencido tinham morrido e entenderam que a Deus agradaria que outros entrassem no lugar deles. E acharam nos assentos outros nomes, de Erec e de Elaim, o branco. Então foram até ao rei e disseram-lhe o que haviam achado. E o rei agradeceu muito a Nosso Senhor que tanto lhes dava conselho na realização do santo Graal e da távola redonda. E com Erec e Elaim também ficaram todos muito felizes. Mas bem sabei que de Elaim, o branco, tiveram todos os da linhagem de rei Bam muito grande prazer, porque Elaim era filho de Boorz de Gaunes e fizera-o naquele dia cavaleiro o rei Artur. Rei Artur, que muito amava Erec e o prezava de cavalaria pela fama que dele ouvira, que não prezava tanto nenhum cavaleiro da sua idade, quando viu que esta honra lhe viera, disse feliz e com muito prazer: Erec, meu amigo, filho do rei Lac, que nesta corte de sua idade não se devia mais prezar mancebo de cavalaria, vinde a mim e vos conduziremos à grandeza que Nosso Senhor vos deu, que a outrem não. Então foi buscá-lo à câmara da rainha, onde estava falando com as donzelas. E depois, tomou-o o rei pela mão e conduziu-o ao assento da távola redonda no qual seu nome estava escrito e disse-lhe, ao assentar-se: Erec, Deus vos faça de hoje em diante tão bom cavaleiro como fostes até aqui. Depois dirigiu-se a Elaim, o branco, e disse-lhe: Filho, muito sois formoso, mas Deus, por sua bondade, vos faça semelhar em cavalaria à vossa linhagem de rei Bam.
Quando viram que assim ganhara ele o assento da távola redonda por bondade de Nosso Senhor, ficaram muito felizes à maravilha. E disse Lancelote: Elaim ainda sairá a grandes feitos. E saibam todos que este conto ouvirem que aquele Elaim, o branco, foi filho de Boorz de Gaunes e o fez numa filha do rei da Grã-Bretanha. Mas antes que isto acontecesse, prometera Boorz a Nosso Senhor lhe guardar sua virgindade. Mas tão logo ela o viu, gostou dele desde então e amou-o; e depois enganou-o por encantamento, e dormiu com ela e fez ali aquela noite aquele que foi depois imperador de Constantinopla. E se Boorz quebrou aquilo que prometeu, não foi por sua vontade, mas pelo encantamento que lhe a donzela fez; e depois corrigiu aquilo que fez, pois todos os dias de sua vida manteve castidade.

O assento perigoso. Galaaz acaba a aventura da pedra. Torneio em Camalote
Como os que procuravam os assentos os acharam. Aquele dia que vos digo, que Erec e Elaim foram postos nos assentos da távola redonda, mandou o rei pôr as mesas, porque já era tempo de comerem. E o rei foi sentar no seu alto assento. E depois os companheiros da távola redonda foram sentar cada um no seu lugar. E os outros, que não eram de tão grande fama, sentaram cada um onde devia.
Aquela hora, antes que lhes dessem de comer, mandou o rei contar quantos companheiros da távola redonda tinham vindo àquela festa e os que ainda faltavam. E os que os contaram acharam todos os cento e cinquenta assentos ocupados, menos dois, e disseram-no ao rei. O rei estendeu as mãos ao céu e disse: Jesus Cristo, Pai e Senhor de todas as coisas, bendito sejas tu que me deixaste tanto viver que visse cheia a távola redonda, que não faltassem senão dois. Então disse àqueles que os assentos haviam de olhar: quais são esses dois que faltam? Senhor, disseram eles, Tristão e o assento perigoso que não está ocupado. Não vos pese, disse o rei, que logo estará ocupado, porque por outra razão não fiz vir tanta gente à minha corte, senão para verem as maravilhas que acontecerão a esta mesa, porque hoje será a minha corte chamada para sempre corte aventurosa.

Como Galaaz entrou no paço e acabou o assento perigoso. Eles nisto falando, olharam e viram que todas as portas do paço se fecharam e todas as janelas, mas não escureceu por isso o paço, porque entrou um tal raio de sol, que por toda a casa se estendeu. E aconteceu então uma grande maravilha, não houve quem no paço não perdesse a fala; e olhavam-se uns aos outros e nada podiam dizer, e não houve alguém tão ousado, que disso não ficasse espantado; mas não houve quem saísse do assento, enquanto isto durou. Aconteceu que entrou Galaaz armado de loriga e brafoneiras e de elmo e de duas divisas de veludo vermelho; e, depós ele, chegou o ermitão, que lhe rogara que o deixasse andar com ele, e trazia um manto e uma garnacha de veludo vermelho no seu braço. Mas tanto vos digo que não houve no paço quem pudesse entender por onde Galaaz entrara, que na sua vinda não abriram porta nem janela. Mas do ermitão não vos digo, porque o viram entrar pela porta grande. E Galaaz, assim que chegou ao meio do paço, disse de modo que todos ouviram: a paz esteja convosco. E o homem bom pôs as vestes que trazia sobre um tapete, e foi ao rei Artur e disse-lhe: Rei Artur, eu te trago o cavaleiro desejado, aquele que vem da alta linhagem do rei David e de José de Arimateia, pelo qual as maravilhas desta terra e das outras terão fim. E com isto que o homem bom disse, ficou o rei muito alegre.
E disse: se isto é verdade, sede bem-vindo. E bem seja vindo o cavaleiro, porque este é o que há de dar cabo às aventuras do santo Graal. Nunca foi feita nesta corte tanta honra como lhe nós faremos; e quem quer que ele seja, eu quereria que lhe fosse muito bem, pois de tão alta linhagem vem como dizeis. Senhor, disse o ermitão, cedo o vereis em bom começo. Então fê-lo vestir os panos que trazia e foi assentá-lo no assento perigoso. E disse: Filho, agora vejo o que muito desejei, quando vejo o assento perigoso ocupado. E quando viram Galaaz no assento, logo todos os cavaleiros tiveram poder de falar, e bradaram todos a uma voz: dom Galaaz, sede o bem-vindo, pois já seu nome sabiam, porque o ermitão o nomeara já ali». In Manuscrito do Século XII, Heitor Magale, A Demanda do Santo Graal, TA Queiroz, Editora da Universidade de S. Paulo, 1988, CDD 398 46, 1989, ISBN 858-500-874-1.

Cortesia de EUSPaulo/JDACT