Cortesia
de wikipedia e jdact
«Estudo apresentado em Setembro
de 1997 ao seminário A nobreza medieval portuguesa: parentesco, identidade e
poder».
«Edificada sobre uma religião de
recordação, a Igreja medieval integra desde cedo nos seus rituais as orações
pelos mortos, desenvolvendo-se em paralelo os chamados libri memoriales, listas nominais,
organizadas em forma de calendário, que registam os óbitos dos benfeitores das
igrejas, geralmente os seus próprios membros, personagens ilustres ou outros
particulares, e as respectivas doações para por eles se celebrarem missas de
aniversário. A Sé de Lamego possui um desses livros, um Obituário composto no fim
do século XIII. por volta de 1293, onde fomos encontrar, naquele incógnito
emaranhado de muitos nomes, a seguinte ocorrência: Obijt domnis domnus Jnfans fernandus de Serpa. E." M." CC. Trata-se do registo da morte do
infante Fernando de Serpa, neutro e despojado de qualquer adjectivação que nos
informe sobre a natureza do seu passamento, não mencionando sequer os supostos bens
que seria normal deixar para aniversário. Dificilmente ultrapassaria o
anonimato das palavras que aquele livro da morte encerra, não fosse a
especificidade vocabular que o identifica e qualifica perante os demais: na
qualidade de senhor, possuidor de potestas, territorializada no nome da sua
terra; depois, na sua pertença à mais importante linhagem nobiliárquica, a da
realeza. Ascendência régia evocada no título infans que antecede o seu nome, com o qual eram designados
os filhos e filhas de reis, sobretudo a partir do início do século XIII.
A morte surpreendeu-o no dia 19
de Janeiro de 1246, a ter como certo o registo do referido Obituário. Nascido, com
toda a probabilidade, em Santarém (um documento datado de Março de 1218,
passado em Santarém, ainda não inclui Fernando entre os filhos de Afonso II, enquanto
que num outro do mesmo mês ele já aí consta como fazendo parte da sua filiação)
no mês de Março de 1218, cidade que o seu pai escolheu para estacionar durante
todo o Inverno, de Dezembro de 1217 a Abril do ano seguinte, teria 28 anos à
data da sua morte. Filho do consórcio do rei Afonso II, neto de Afonso Henriques,
e da rainha dona Urraca, filha de Afonso VIII de Castela, o que venceo a batalha das Naves de Tollosa
\ era o terceiro filho varão, irmão mais novo dos infantes Sancho, o
herdeiro da coroa, e Afonso, aquele que irá ter grande protagonismo ocupando o
trono na sequência da guerra civil de 1245-1248, e da infanta dona Leonor, efémera
rainha, a que casou em 1229 com o rei Waldemar III da Dinamarca.
Uma morte jovem, prematura até.
Pelo menos assim o entendemos hoje; porém, a realidade daqueles tempos tão
longínquos é outra, de mais difícil apreensão. Então, a esperança média de vida
podia não ultrapassar os 32 anos, a chamada maioridade atingia-se bem mais cedo
e o turbulento período da sua juvenilitas
já tinha passado havia muito. O tempo apenas, porque as turbulências, essas
permanecem como o traço mais marcante da sua personalidade, ou pelo menos o
mais evidente. De qualquer modo, uma morte tão jovem não pode deixar de nos
impressionar, sobretudo quando nos apercebemos da imensa vitalidade que
demonstrou. Seriam estas as causas da sua morte? É possível que sim, que tenha
tido uma morte violenta. Na verdade, o seu testamento, a ter existido, não se
conhece, e quanto ao paradeiro do seu túmulo nada se sabe, apesar de se levantar
a hipótese de a sua sepultura se encontrar na igreja catedral de Burgos, da
qual sua mulher foi generosa benfeitora e com a qual transaccionou algumas
propriedades. Ou talvez em Lamego (para reforçar a hipótese de Lamego, devemos
acrescentar que Fernando de Serpa manifestou um grande interesse por esta
região na última fase do seu percurso político; seria, portanto, muito natural,
que tivesse tomado algumas diligências para aí ficar sepultado aquando da sua
morte), que o regista no seu livro de óbitos.
Livro que invoca e reactualiza a
memória dos mortos, confinada ao espaço sacralizado do templo. Os outros, os
livros da vida, mergulham-no no esquecimento. Incompreensivelmente. De facto,
nobiliários e crónicas não podiam ser mais lacónicos a seu respeito, mencionando-o
apenas na linha de descendência de Afonso II, sem qualquer menção de relevo.
Desaparecido o seu corpo, perdido o nome entre as episódicas e vagas anotações
dos pergaminhos, esquecido o personagem nos densos textos pontifícios que, ora
com violência ora com compaixão, o evocam, assim tem permanecido olvidada a sua
memória». In Armando S. Pereira, O Infante D. Fernando de Portugal, Senhor de Serpa
(1218-1246) História da Vida e da Morte de um Cavaleiro Andante, LUSITÂNIA SACRA, 2ª série, 10 (1998),
Wikipédia.
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