segunda-feira, 6 de julho de 2020

O Afegão. Frederick Forsyth. «Anos antes, e decerto antes do evento hoje conhecido como 11 de Setembro, isto é, a destruição do World Trade Center em 2001, o Departamento de Serviços Internos de Inteligência do Paquistão…»

Cortesia de wikipedia e jdact

Stingray
«(…) Mas soldados nem sempre sabem lidar com finanças. As firmas especializadas haviam orçado em cifras de tirar o fôlego a conversão do celeiro medieval em casa de campo e lar aconchegante. Daí a decisão de fazer isso sozinho, a despeito de quanto tempo fosse necessário. O lugar era idílico. Na sua imaginação, podia ver o tecto restaurado à sua glória anterior, quando não tinha vazamentos, com noventa por cento das telhas originais preservadas e os outros dez por cento comprados de uma barraca que vendia material de demolição. As vigas mestras do telhado ainda estavam sólidas como no dia em que foram cortadas do carvalho, mas a laje teria de ser retirada e substituída por um impermeabilizante de tecto. Olhando para baixo, e vendo as antigas baias de feno empoeiradas, podia imaginar a sala de estar, a cozinha, o escritório, os corredores. Teria de recorrer a serviços profissionais para a rede eléctrica e o encanamento, mas já fora à Escola Técnica de Southampton matricular-se em cursos nocturnos de alvenaria, gessagem, carpintaria e vidreira.
Um dia haveria ali um pátio calçado com pedras e uma horta. A trilha seria revestida com paralelepípedos e haveria ovelhas pastando. Todas as noites, acampado no padoque enquanto a natureza brindava-o com uma brisa quente de fim de verão, ele refazia os cálculos e lembrava que, com paciência e muito trabalho, seria capaz de sobreviver com seu orçamento modesto. Tinha 44 anos, pele olivácea, cabelos e olhos negros e corpo magro e musculoso. E estava cansado. Cansado de desertos e florestas, de malária e sanguessugas, de noites de frio congelante, de comida ruim e pernas e braços doloridos. Conseguiria um emprego nas proximidades, e depois um labrador ou um casal de Jack Russells para compartilhar sua vida. E, talvez, até uma mulher. O homem no telhado removeu mais uma dúzia de telhas, guardou as dez inteiras, jogou fora os fragmentos das quebradas, e uma lâmpada vermelha piscou em Islamabad.
Muita gente pensa que, com um telemóvel pré-pago, todas as contas futuras são evitadas. Isso é verdade para o comprador e usuário, mas não para a operadora. A não ser que o aparelho seja usado apenas dentro da área de operação na qual foi comprado, ainda há um acerto a ser realizado, entre as empresas de telefonia, e são seus computadores que cuidam disso. Quando o irmão de Abdelahi atendeu ao telefone em Quetta, a chamada utilizava-se de uma antena situada nos arrabaldes de Peshawar. A torre pertence à Pak Tel. Assim, o computador da companhia começou a procurar pelo vendedor original do telemóvelr na Inglaterra, com a intenção de dizer, eletronicamente: Um dos seus clientes está usando meu tempo e espaço aéreo, de modo que você está me devendo. Contudo, há anos o Centro Antiterrorista (CAT) do Paquistão requerera que tanto a Pak Tel quanto a sua rival, a Mobi Tel, passassem cada chamada emitida ou recebida pelas suas redes para a sala de escuta do CAT. E, a pedido dos britânicos, o CAT inseriria nos seus computadores um software de interceptação programado para determinados números. Um deles subitamente estava activo.
Um jovem sargento paquistanês de idioma pashto monitorava o painel. Ele apertou um botão e um oficial superior entrou na linha. Depois de vários segundos na escuta, o oficial perguntou: o que está dizendo? O sargento ouviu e respondeu: o homem que ligou está dizendo alguma coisa sobre a mãe dele. Acho que está falando com o irmão. De onde? Do transmissor de Peshawar. Não era preciso dizer mais nada ao sargento. A chamada completa seria automaticamente gravada para análise futura. A tarefa imediata era localizar o emissor. O major do CAT de serviço naquele dia duvidava que uma chamada curta possibilitaria isso. E certamente o idiota não iria permanecer muito tempo na linha. No seu posto bem acima dos pavimentos subterrâneos, o major apertou três botões na sua mesa. Uma ligação foi efectuada para o chefe de seção do CAT, em Peshawar.
Anos antes, e decerto antes do evento hoje conhecido como 11 de Setembro, isto é, a destruição do World Trade Center em 2001, o Departamento de Serviços Internos de Inteligência do Paquistão, conhecido como ISI, fora infiltrado por muçulmanos fundamentalistas do Exército paquistanês. Esse era o seu problema e o motivo para a sua completa falta de confiança na luta contra o Talibã e a al-Qaeda.
Mas o presidente do Paquistão, general Musharraf, tivera pouca escolha senão ouvir o conselho vigoroso dos Estados Unidos para limpar a casa. Parte do programa fora a transferência dos oficiais extremistas do ISI para deveres militares normais; a outra fora a criação do Centro Antiterrorista, uma agência de elite composta por uma nova geração de oficiais jovens sem qualquer inclinação pelo terrorismo islâmico, por mais devotos que fossem à sua religião. O coronel Abdul Razak, previamente comandante de carros de combate, era um desses oficiais. Comandava o CAT em Peshawar, e atendeu a chamada às 14:30. O coronel escutou atentamente o seu colega da capital federal, e então indagou: quanto tempo? Até agora, cerca de três minutos. O coronel Razak tinha a sorte do seu escritório estar localizado a meros 730 metros da antena da PakTel, dentro do raio de 900 metros, normalmente necessário para que seu localizador de direcção funcionasse com eficácia. Acompanhado por dois técnicos, correu até ao terraço do edifício para começar a operar o localizador». In Frederick Forsyth, O Afegão, Edições ASA, 2008, ISBN 978-989-230-267-6.

Cortesia de EASA/JDACT