segunda-feira, 6 de julho de 2020

Rainha Branca. Philippa Gregory. «Então não creio que vá querer se demorar, diz ele de maneira desagradável, e segue seu caminho. O solo estremece quando passam…»

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Primavera 1464
«(…) Levante-se, diz ele. Seu tom é baixo, para que só eu o escute. Veio até aqui para me ver? Preciso de sua ajuda, replico. Mal consigo articular as palavras. É como se a poção do amor com que minha mãe embebeu o lenço que ondulava de meu toucado estivesse entorpecendo a mim, não a ele. Não consigo reaver as terras de meu dote agora que enviuvei. Atrapalho-me diante de seu sorriso interessado. Sou uma viúva agora. Não tenho do que viver. Viúva? Meu marido era sir John Grey. Ele morreu em St. Albans, digo. É o mesmo que confessar sua traição e a danação de meus filhos. O rei reconhecerá o nome do comandante da cavalaria do seu inimigo. Mordo o lábio. O pai deles cumpriu o seu dever como o concebia, Vossa Graça. Foi leal ao homem que achava ser rei. Meus filhos são inocentes de tudo. Ele lhe deixou estes dois filhos? O rei sorri para os meus meninos. A melhor parte da minha fortuna, replico. Este é Richard, e este é Thomas Grey.
Ele acena com a cabeça para os meninos, que o olham fixamente, como se ele fosse uma espécie de cavalo de raça: grande demais para afagarem, mas digno de admiração e reverência. Então ele se volta para mim. Estou com sede, diz ele. Sua casa é perto daqui? Nós nos sentiríamos honrados... Olho de relance para a guarda que o acompanha. Devem ser mais de cem homens. Ele dá um risinho. Eles podem prosseguir, decide. Hastings! O homem mais velho vira-se e espera. Siga para Grafton. Eu os alcanço. Smollet pode ficar comigo, e Forbes também. Chegarei em mais ou menos uma hora. Sir William Hastings me olha de cima a baixo, como se eu fosse um bonito pedaço de fita à venda. Dou-lhe, em resposta, um olhar duro, e ele tira o chapéu e faz uma mesura para mim, saúda o rei e ordena que a guarda siga adiante. Aonde está indo, senhor?, pergunta ele ao rei. O rei-menino olha para mim. Estamos indo para a casa do meu pai, o senhor de Rivers, sir Richard Woodville, respondo com orgulho, embora eu saiba que o rei reconhecerá o nome de um homem que gozava de grande prestígio na corte Lancaster, que combateu por eles e ao qual certa vez dirigiu palavras duras quando as famílias York e Lancaster já estavam com as armas em punho. Sabemos o suficiente um do outro, mas é uma cortesia comum esquecer que fomos leais a Henrique VI, até esses o tornarem traidor. Sir William ergue o sobrolho ao ouvir o lugar que o rei escolheu para parar. Então não creio que vá querer se demorar, diz ele de maneira desagradável, e segue seu caminho. O solo estremece quando passam, e permanecemos num silêncio confortável enquanto a poeira se assenta.
Meu pai foi perdoado e teve o seu título restaurado, explico, defensivamente. Vossa Graça mesmo o perdoou, depois de Towton. Lembro-me de seu pai e de sua mãe, replica o rei, equânime. Eu os conheço desde que era menino, estive com eles em bons e maus tempos. Só estou surpreso por nunca me terem apresentado à senhora. Tenho de reprimir o riso. Esse é um rei famoso pela sedução. Ninguém com algum juízo deixaria sua filha conhecê-lo. Gostaria de me acompanhar?, pergunto. É uma curta caminhada até à casa de meu pai. Querem uma boleia, meninos?, indaga ele. Os dois levantam a cabeça como patinhos, implorando. Podem montar, os dois, diz. Ele ergue Richard e o coloca sobre o cavalo, depois faz o mesmo com Thomas, na sela. Agora segurem firme. Você no seu irmão, e você... Thomas, não é? Você segura na maçaneta. Enrola as rédeas num braço e me oferece o outro, e assim caminhamos em direcção à minha casa, pela floresta, à sombra das árvores. Sinto o calor de seu braço através do tecido da manga da sua camisa. Tenho de me controlar para não me inclinar sobre ele. Olho para frente, para a casa, para a janela de minha mãe, e percebo, pelo ligeiro movimento por trás da vidraça, que ela esteve observando e torcendo para que isso acontecesse.
Ela está na porta da frente quando nos aproximamos, o cavalariço da casa ao seu lado.
Faz uma reverência profunda. Vossa Graça, diz ela cortesmente, como se o rei a visitasse todos os dias. É muito bem-vindo a Grafton Manor. O cavalariço vem correndo e pega nas rédeas do cavalo para conduzi-lo ao estábulo. Meus filhos seguram firme na sela ao longo dos últimos metros restantes, enquanto minha mãe recua e faz uma reverência ao rei no hall. Aceita um copo de cerveja?, pergunta ela. Ou temos um vinho muito bom produzido por meus primos na Borgonha. Vou aceitar a cerveja, obrigado, replica ele gentilmente. Cavalgar me dá sede. Está quente para Primavera. Bom dia para a senhora, lady Rivers. A mesa alta no salão está posta com os melhores copos e uma jarra de cerveja, assim como vinho». In Philippa Gregory, Rainha Branca, 2009, Civilização Editora, Porto, 2010, ISBN 978-972-263-012-2.

Cortesia de CivilizaçãoE/JDACT