domingo, 12 de julho de 2020

A Demanda do Santo Graal. Manuscrito do Século XIII. «E ela maravilhou-se das maravilhas que a respeito ouviu; depois disse: maravilha pode daí advir e nada eu nunca soube. E sabes de qual linhagem é?»

Cortesia de wikipedia e jdact

O assento perigoso. Galaaz acaba a aventura da pedra. Torneio em Camalote
«(…) O cavaleiro de quem Merlim e todos os profetas falaram. O rei, assim que viu no assento perigoso o cavaleiro de quem Merlim e todos os profetas falaram na Grã-Bretanha, então bem soube que aquele era o cavaleiro por quem seriam acabadas as aventuras do reino de Logres, e ficou com ele tão alegre e tão feliz, que bendisse a Deus: Deus, bendito sejas tu que te aprouve de tanto viver eu que, em minha casa, visse aquele de quem todos os profetas desta terra e das outras profetizaram, tão longo tempo há já. Agora falta, disse ele, da távola redonda, dom Tristão, e nenhum outro. Mas maldita seja a beleza de Isolda, porque o assim temos perdido, porque se ela não fosse, não deixaria ele, de modo algum, de vir a esta festa tão grande.

Como um donzel deu novas à rainha de Galaaz. Assim falava o rei de Tristão, com muito grande pesar de que não vinha à corte; mas os outros não tinham disso pesar, antes estavam muito alegres, porque o assento perigoso estava acabado, e honravam e serviam Galaaz quanto podiam, que não podiam mais, porque bem sabiam que este havia de dar cabo às maravilhosas aventuras do reino de Logres; mas sobre todos estava Lancelote mais alegre, porque bem via que, se Galaaz vivesse, passaria em bondade e em cavalaria todos os do reino de Logres. Estas novas foram de uma parte e da outra, de modo que chegaram à rainha, porque um donzel lhe disse: Senhora, maravilha grande aconteceu agora no paço. E que maravilhas são?, disse a rainha, dizei-no-las. Senhora, disse ele, o assento perigoso está ocupado. Um cavaleiro senta nele. Sim?, disse ela. Por Deus, formosa aventura Deus deu. Porque de muitos que já sentaram, nunca um houve que não morresse. E de que idade pode ser?, disse a rainha. Senhora, disse ele, de dezoito anos. E ela maravilhou-se das maravilhas que a respeito ouviu; depois disse: maravilha pode daí advir e nada eu nunca soube. E sabes de qual linhagem é? E o donzel disse que não, apenas que dizem todos que parece ser da linhagem de rei Bam, mais que de outra. E ela começou a pensar e logo cuidou em seu coração que era filho de Lancelote, porque lhe dissera Heitor que era já Galaaz moço feito e logo seria cavaleiro; e disse a rainha ao cavaleiro: donzel, sabes como tem nome? Senhora, disse ele, tem nome Galaaz. E ela, quando ouviu o nome, logo soube com certeza que era filho de Lancelote, porque tempo havia que ela sabia como tinha nome. Então disse para as mulheres que com ela estavam: estai certas, se ele é o bom cavaleiro, não me maravilho muito, porque de todas as partes vêm bons cavaleiros, que não pode errar que não seja melhor do que outro cavaleiro. Senhora, disseram elas, quem é bom sobre todos? Vós o sabereis, disse ela, mas não por mim.

Como Galaaz acabou a aventura da pedra. Aquele dia foi grande a alegria entre eles. E o rei mandou que lhes dessem de comer. Tão logo comeram, perguntou o rei a quantos estavam no paço: que vos parece do que nos aconteceu? Porque a mim tal hora foi, antes que chegasse Galaaz, que não pude falar. E todos disseram que bem assim acontecera a eles. Por Deus!, disse o rei, grande maravilha foi esta. E podeis entender por que foi? Não, disseram eles. Por Deus, disse ele, muito me pesa. Grande foi a alegria e o prazer que todos tiveram. E o rei se ergueu da mesa e foi à mesa onde sentava Galaaz, e viu lá seu nome escrito, e ficou muito alegre e disse a Galvão: sobrinho, agora podeis ver Galaaz, o muito bom cavaleiro sobejo, que tanto esperamos e tanto desejamos ver. E os da távola redonda falavam mais amiúde do que todos os outros. E diziam: pois no-lo Deus trouxe, sirvamo-lo e honremo-lo enquanto estiver entre nós, porque não viverá muito connosco por causa da demanda do santo Graal que começará logo. Assim Deus me ajude, disse Galvão, bem o devemos servir, porque Deus no-lo enviou por nos livrar a terra das grandes maravilhas e das estranhas aventuras que tão amiúde acontecem e desde tão longo tempo. Então veio o rei a Galaaz e disse-lhe: Senhor, sede bem-vindo, porque muito tempo há que vos desejei ver; e graças a Deus e a vós, quisestes aqui vir. Senhor, disse ele, vim aqui, porque me convinha, porque daqui hão-de partir agora todos aqueles que à demanda do santo Graal queiram ir e bem sei que logo será começada. Senhor, disse o rei, vossa vinda nos é mui mister por muitas aventuras maravilhosas a que não podemos dar cabo. E vo-lo digo por uma que nos hoje aconteceu; ide-a ver, se vos aprouver. E Galaaz disse que iria de muito bom grado. Então o pegou o rei pela mão e levou-o à margem do rio, onde a pedra estava. E os do paço foram todos com ele, para verem o que poderia ser. E quando a rainha viu que o rei levava Galaaz pela mão à pedra, saiu ela com grande companhia de donas e donzelas. E o rei disse a Galaaz: quereis sacar esta espada desta pedra? Pois a não quer ninguém provar de quantos aqui estão, porque dizem que a aventura não é deles. Provai-a, se vos aprouver, porque se o não provais, não acharemos cavaleiro que o prove. Então pegou Galaaz a espada pelo punho e puxou-a tão facilmente, como se não estivesse presa a nada. E depois, pegou a bainha e meteu-a dentro e cingiu-a logo, e disse ao rei: Senhor, agora tenho já a espada, mas o escudo não tenho. Amigo, disse o rei, pois Deus e a ventura vos a espada deu, não tardará muito o escudo». In Manuscrito do Século XII, Heitor Magale, A Demanda do Santo Graal, TA Queiroz, Editora da Universidade de S. Paulo, 1988, CDD 398 46, 1989, ISBN 858-500-874-1.

Cortesia de EUSPaulo/JDACT