«(…) Assim, foram percebendo que ele e o seu amigo Tomé, o
empregado que os servira, tencionavam ir com os cruzados até Lusbuna e queriam
saber se ainda havia lugar no barco deles (Julião pronunciava o nome da cidade
de maneira estranha, mais como Lisbona). Konrad respondeu que, para a viagem
curta, se poderia dar um jeito. De si para si, pensou admirado que pelos vistos
não passava pela cabeça dos portugueses que os estrangeiros recusassem o apelo
do seu rei! Depois de já terem bebido algumas canecas, Hadwig resolveu ir
direito ao assunto com gestos evidentes: segurando uma imaginária anca feminina
entre as mãos, movia estas para trás e para a frente. Julião desatou às
gargalhadas e acenou entendimento com a cabeça. Apontando para Johann, Gunther
berrou, eufórico de vinho: o fedelho aqui faz anos! E é a sua primeira vez! Cala-te,
rosnou o rapaz, apesar de Julião não ter entendido o ruivo. Estou cansado e vou
já regressar ao barco. Não sejas parvo, atirou Gunther e tornou a dirigir-se ao
português, desta vez gritando ainda mais alto, como se o outro o entendesse
melhor assim: é a sua primeira vez! Julião não percebia patavina. Com mil raios,
vociferou o ruivo. Johann, como se diz primeira vez em latim? Pensas
mesmo que te vou dizer? Ora, atalhou Konrad, eu não aprendi muito latim, mas
chega para... Pensei que estivesses do meu lado, interrompeu-o o irmão, de
olhar ofendido.
Não
sejas desmancha-prazeres!, pediu o mais velho. O Julião precisa de saber o que
se passa, pois hoje tens direito a tratamento especial. Hadwig e Gunther
desataram às gargalhadas. Ora bem, começou Konrad, primeira acho que se diz
prima... não é? Prima!, gritou logo Gunther, enquanto fazia os mesmos gestos de
Hadwig e apontava para o Johann. A estratégia acabou por funcionar! Julião
observou o rapazito divertido. Depois, chamou o empregado, com quem trocou
algumas palavras. Finalmente, os quatro entenderam que a taberna estava quase a
fechar e que deviam esperar pelo Tomé. Os dois portuenses levaram-nos a um
bordel. A dona, uma morena avantajada, cujos seios só com dificuldade se
mantinham dentro do seu decote generoso, veio recebê-los. Konrad percebeu que
Julião e Tomé falavam com ela sobre o Johann. A mulher sorriu matreira,
desapareceu por momentos e regressou com uma mocinha que era magra demais para
o vestido grosseiro que envergava e que teria no máximo quinze anos. A pele
bronzeada assinalava a sua origem humilde, mas os seus longos cabelos pretos e
lisos brilhavam como algas à luz das velas. Os olhos negros amendoados
davam-lhe uma beleza inesperada para uma plebeia. Ela porém não encarava os
homens, o que revelava a sua falta de experiência. Não, não, não!, bradou
Konrad. O rapaz precisa de uma mulher experiente. A dona do bordel olhou-o
embasbacada, pois não fazia ideia que bicho o teria mordido. Depois, apontou
para a rapariga e disse algo aos portugueses.
Não,
insistiu Konrad. Ela é nova demais. Virou-se para Julião e Tomé e acrescentou: ele
precisa de outra, assim mais..., rodada. Não o entendiam. A morena redonda
começou a barafustar e os dois portugueses tentavam por sua vez dizer algo a
Konrad. Até que ele se virou para Hadwig e desabafou: não adianta! É melhor
irmos a outro lado. Pois eu não saio daqui!, afirmou Gunther, que olhava
extasiado para a dona do bordel. Tenho que fornicar este pedaço de mulher! Tu
estás mas é bêbedo, gritou-lhe Konrad. Acalma-te, lançou Hadwig. Já viste a
cara do Johann? Konrad virou-se para o irmão, que olhava para a rapariga como
se ela fosse uma preciosidade nunca vista. Ela agrada-lhe, insistiu o loiro. Pois
a mim não me agrada esta história, replicou Konrad. Rameiras inexperientes
causam problemas. E com estes dois pivetes tenho mesmo um mau pressentimento» In Cristina Torrão, A Cruz de Esmeraldas, Edição
Ésquilo, 2009, ISBN 978-989-809-261-8.
Cortesia de
Ésquilo/JDACT